De algum modo, Lula disse aos brasileiros e brasileiras que sua condição de negociador (era só quase o que fazia há muito tempo na área sindical) seria o mais avantajado aval para o legado que pretendia e prometia à nação no bojo das reformas imperativas. Negociar em busca do realizar necessário seria a chave de todos os mistérios em Brasília. E nossos.

Feitas as contas, até aqui, quase dez meses depois, nada substancioso existe a comemorar: a reforma previdenciária não será nem ampla quanto se queria, nem radical quanto devia (vem aí outro remendo atropelado pelos direitos adquiridos e à espera da verdadeira mudança que todos imaginam mas ninguém se arrisca a fazer agora); a reforma tributária – que reforma? – já não passa de uma idéia e o próprio ministro da Fazenda, Antônio Palocci, filosofa que este não é o momento adequado para grandes mudanças. Era e deixou de ser. O governo federal não abre mão de arrecadar; os governadores dos estados, idem; os prefeitos, todos falidos, ibidem. O contribuinte esfolado, assim como empresários e todos os meios de produção, decepcionados, são outra vez convocados a pagar a conta que o governo, pensando apenas politicamente (leia-se eleitoralmente), tem medo de bancar.

A capacidade de negociação de Lula pode, assim, estar se exaurindo (e resumindo) no esforço comum de interlocutores de mesmo naipe, isto é, entre os que dependem do orçamento público para garantir o voto nas urnas – prefeitos, governadores, e também deputados e senadores fisiológicos. Mas é fracasso total quando se considera que nesta grande negociação anunciada – ou repactuação imaginada, como se ousou dizer – existe um outro interlocutor importante: o contribuinte, onde se incluem empresas e empreendedores, só eles capazes de acionar a locomotiva-meta do espetáculo econômico, à qual está atrelada outra promessa básica de Lula – a geração de empregos, única via capaz de levar ao bem-estar social progressivo e duradouro. E este interlocutor, como vimos até aqui, infelizmente continua fora das negociações, como esteve durante todo o longo caminho das promessas dos governos anteriores. Enquanto prometia, aumentava impostos.

Além disso, mesmo com toda essa áurea de negociador, Lula em nada inovou em áreas onde seria essencial – e naturalmente esperada – a introdução de um novo estilo. O Congresso Nacional, por exemplo. Na semana que passou, parecia que estávamos lendo jornais velhos. Em Brasília anunciava-se que o governo se preparava para liberar verbas das emendas individuais dos deputados e senadores ao Orçamento da União… em troca dos votos que precisa nas discussões de matérias de seu interesse. Um ritual seguido de audiências e tapinhas nas costas antes do embate final das votações. Exatamente como antes. Repete-se mesmo a recusa de corrigir tabelas do Imposto de Renda. E sem contestações no Congresso, onde se aguarda a liberação das emendas, onde se tem como certa a prorrogação da CPMF, onde…

Também hoje, como ontem, não se vota por convicção, nem porque é o que tem que ser feito. Vota-se dependendo dos agrados, e dependendo dos agrados vota-se qualquer coisa. “A chiadeira é justificada. O nível de liberação é muito baixo”, explicava sem ruborizar o deputado Paulo Bernardo, do PT do Paraná. No passado, chamava-se isso de “balcão de negócios”, algo incompatível com a moralidade na política, ética no exercício da representação popular, desprendimento em nome dos altos interesses da nação e de seu povo.

Ou Lula desaprendeu a negociar, ou elegeu motivo equivocado em torno do que estabelecer a barganha. Ou mudou também aqui de opinião, e o negócio dele já é diverso daquele nosso. O fato é que tudo está saindo como antes. Aliás, pior. Antes, pelo menos tínhamos o PT, às vezes, a fazer breque.

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