Não mexam nos privilegiados

No bom português privilégio é a vantagem que se concede a alguém com exclusão de outrem e contra o direito comum. Pelo menos é o que define o nosso bom e incomparável Aurélio. Então, baseados nesta definição, vamos conversar nós, eu, você, qualquer trabalhador comum, que labuta de segunda a sábado, às vezes nos domingos, feriados, Natal, Ano Novo. Nós que não temos fins de semana alongados e que enfrentamos as longas e cansativas filas do INSS, SUS e tantas outras repartições públicas, bancárias e até particulares quando temos que reivindicar nossos direitos.

Vamos conversar nós que andamos de ônibus, a pé, ou até mesmo alguns que têm um carro popular conquistado às duras penas. Nós que pagamos aluguel, que recebemos senão o salário mínimo, algo parecido com ele. Nós que enfrentamos escolas públicas, que ralamos estudando para o vestibular, trabalhando de dia e quase dormindo nos bancos escolares à noite para ter um curso um pouquinho melhor, para tentar vida uma vida mais digna. E vale também para aquele que nem teve oportunidade de estudar e que ficou cortando cana nestes anos todos.

Você, que como eu, só conhece a palavra privilégio quando tem o direito de uma minguada viagenzinha de férias para visitar os parentes e “descolar” um pouso na casa de algum amigo para espairecer um pouco.

Sei que neste quadro se incluem, em alguns aspectos, muitos funcionários públicos, professores e outros tantos sofredores desse Brasil. Não podemos fazer injustiça e generalizar a condição de funcionário público àquela nata beneficiada com todos os privilégios. Mas precisamos entender que arrombaram a festa e estouraram o caixa.

Se antes os grevistas eram considerados os baderneiros, os esculhambadores, os do contra, os comunistas, aqueles que comem criancinhas e querem dividir o patrimônio alheio, hoje parece que já não são os mesmos. Estão em greve os ilustres, os privilegiados, os intocáveis. Depois de uma gigantesca celeuma, estamos a um passo de definir a reforma da Previdência. Contudo não podemos esquecer que mude ou não mude nada com a Reforma a realidade é que o déficit continuará monumental.

Na mudança acertada, os desembargadores receberão no máximo 12.877 reais nos Estados, ou seja 75% do salário de 17.710 que recebem os ministros do STF, segundo a revista Veja. Esse valor é “inconcebível, inexplicável”; para o presidente do STJ, é “um desastre, uma calamidade nacional”. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) anuncia uma greve de juizes. Lutar por direitos individuais é louvável, mas a grande massa como é que fica? E o povo que trabalha de sol a sol, de segunda a segunda, que recolhe suas contribuições, tem que ser alijado porque não galgou um cargo de destaque? Não foi indicado ou até não teve dinheiro para se inscrever num concurso público ou cursar faculdade?

Além da pressão do funcionalismo e dos magistrados neste embate com o governo, ainda há a influência dos governadores que farão de tudo para defender interesses políticos. Certamente o coletivo não está prevalecendo. A discussão precisa ser mais ampla e atender também os menos favorecidos. Nesta classe se incluem os trabalhadores comuns, os reles mortais, de quem é tirado o couro nestes longos anos de injustiças sociais. Só não mexam com os privilegiados!

Osni Gomes  (osnigomes@oestadodoparana.com.br) é jornalista, editor em O Estado e escreve aos domingos neste espaço.

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