Na posição de juiz

É bastante sintomático o fato de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter assumido nova posição nos jogos dominicais da Granja do Torto. Com apito na mão, no papel de juiz, Sua Excelência evita o desgaste do confronto e se poupa de eventuais luxações, distensões ou fraturas expostas. De quebra, sobra-lhe tempo e disposição para analisar o comportamento dos dois times em campo, coisa que é inerente ao papel do árbitro. Para o bem da saúde presidencial, deveria ter sido assim desde o início. Na Granja do Torto e no Palácio do Planalto.

É possível que o presidente tenha aprendido isso depois que, num desses arroubos que lhe acometem com freqüência, vestiu por alguns segundos, na semana que passou, um boné do Movimento dos Sem-Terra. Atraiu sobre a imagem presidencial a ira dos fazendeiros invadidos, detonou um processo de debates sem fim no Congresso e – como se isso não bastasse – levantou dúvidas sobre a necessária imparcialidade na condução do cargo que ocupa. A lei é para todos, mandou dizer no dia seguinte. Invasores e invadidos precisam saber disso. Apesar do boné, Lula-presidente é Lula-juiz. Seu tempo de metalúrgico já faz parte da história.

É nessa posição que o ex-sindicalista, agora do outro lado do balcão, está vendo nascer a primeira greve de sua vida. O funcionalismo público federal promete parar o País e por tempo indeterminado, em busca de reposições salariais e em repúdio às propostas de mudança no sistema de aposentadoria. Assim se arregimentam professores, fiscais, servidores da própria Previdência, magistrados e funcionários braçais. Os estrategistas da paralisação querem matar dois coelhos com uma cajadada só: enquanto rola a greve, dá tempo folgado de organizar melhor o movimento contra a reforma previdenciária.

No papel de juiz, Lula não poderá nem xingar os grevistas nem vestir a camisa ou o boné dos paredistas. Novidade nisso tudo é o que fará a CUT – Central Única dos Trabalhadores, até aqui braço sindical do PT, já correndo o risco de perder a condição de única a que se arrogou desde o início. O racha já é visível. Uma parte dela apoia e incentiva a greve, pois, além de tudo, entende que o presidente Lula deu as costas aos servidores depois de deles ter obtido apoio maciço nas eleições. Outra parte bate-se pela negociação, mas fica sem argumento para justificar reajuste de um por cento e, principalmente, de dizer que a Nação inteira não merece ficar refém dos caprichos e reivindicações de quem é pago para servir.

Sem se preocupar com isso, de Norte a Sul, os servidores, unidos, querem provar que o governo está enrolando. E nessa enrolação vai além do empurrar com a barriga. “O governo consultou governadores, empresários e políticos, mas não o funcionalismo, principal alvo da reforma”, esbravejam, não sem uma ponta de razão, algumas lideranças sindicais em processo de afirmação. O contribuinte que não tira da função pública o seu sustento pensará com seus botões outras coisas, além das que já pensa quando é convocado a pagar todas as contas.

Convém, pois, ao juiz Lula da Silva pesar bem todas as coisas antes de estrilar o apito. Ele, que jurou fazer um Brasil novo para alegria e felicidade de todos os brasileiros, não pode ficar refém de algumas categorias que, ao longo de nossa história, já de demonstraram insensíveis aos problemas sociais da maioria. Não poderá, também, dar seqüência ao jogo sem a participação desse contingente de trabalhadores que operam as engrenagens do serviço público, que precisa melhorar de qualidade e conteúdo.

A primeira greve geral de servidores que Lula enfrenta como presidente é uma batalha cujos resultados haverão de ser duradouros – seja em benefício dos grevistas, seja em prejuízo das esperanças um dia levantadas. Esperemos que, pelo menos para o Brasil não oficial, que paga a conta, o árbitro Lula consiga jogar com discernimento e sapiência.

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