Você perdeu o solstício!!!

Para quem tem contato com as culturas do Norte da América do Norte e do Norte da Europa, é espantoso que por aqui as pessoas não só não saibam, mas também não se interessem pelos solstícios. O brasileiro normal nem sabe o que é isso. Imagino que colombianos, mexicanos, peruanos, italianos, espanhóis, árabes e israelenses também não se interessem. Parece que os povos que têm muito Sol, os que vivem mais perto do Equador, não tem interesse astronômico. Os brasileiros, inclusive curitibanos, que acham que nossa capital tem um clima horrível, não tem idéia do clima na Inglaterra, Escócia, Dinamarca, Alemanha, Polônia, e tantos outros lugares nórdicos. É comum, nestes países, uma pessoa que trabalha das 9h às 18h passar duas, três ou quatro semanas sem ver o Sol, entre outubro e março. Lá, talvez por dependerem muito de pouco Sol, eles tem fascinação por astronomia.

O solstício do verão é o dia mais longo do ano do hemisfério que estiver no verão. Assim, o dia 21 de junho é o dia mais longo do ano no Hemisfério Norte. O vice-versa é que o solstício do inverno é o dia mais curto do ano no hemisfério que está no inverno. No nosso caso o dia 21 de junho foi o dia mais curto do ano, e o dia 21 de dezembro será o mais longo.

Por que se dá muito mais importância a este fenômeno no Hemisfério Norte? A resposta talvez seja geográfica. Grande parte da Europa, justamente onde a civilização “científica” floresceu mais intensamente, fica muito mais ao norte do que se imagina. Se você olhar num globo, verá que Londres, Paris e Berlim ficam numa latitude entre 50.º e 55.º norte, a mesma do Norte do Canadá e do meio da Sibéria!! Espantoso, não? Irkutzk, a capital da Sibéria, que fica ao lado do lago Baikal, aliás um lugar lindo e fascinante, fica na mesma latitude de Londres. Amsterdam, Copenhagen, Estocolmo e Oslo ficam grosseiramente na mesma latitude. O ensolarado interior da França, onde está Lyon, por exemplo, fica na latitude das geladas cidades do sul canadense, como Montreal e Quebec.

O Norte europeu foi habitado precocemente por grandes massas humanas. Depois do desenvolvimento que ocorreu em torno do Mar Mediterrâneo até os romanos na época de Cristo, o impulso seguinte da civilização ocidental ocorreu nas costas do Mar do Norte. No século V da era cristã os vikings tinham uma organização social e política impressionante, e atingiram grande desenvolvimento tecnológico. Sua identidade racial e seu grau de desenvolvimento indicam que eles já estavam ali há muitos séculos. Stonehenge, o mais interessante monumento existente nas ilhas britânicas, provavelmente um templo de adoração do solstício do verão, foi construído 4000 atrás, no início da época dos egípcios!!!

O Norte europeu foi colonizado tão precocemente porque era relativamente quente e chuvoso, portanto fértil. Este clima tão especial lá perto do Pólo Norte é devido à Corrente do Golfo, que traz água quente do Golfo do México e banha toda a região do mar do Norte, esquentando até o Sul da Suécia e Noruega. As cidades banhadas pela Corrente do Golfo são como que panelas de água no fogo, daí a bruma e a garoa dessas regiões. Aqueles povos convivem com dias que raiam às 10h e escurecem às 15h no inverno, duram de 3h a 23h no verão. A pequena variação de horário entre verão e inverno no Sul do Brasil, de não mais que 2 ou 3 horas, não é absolutamente comparável à deles. Talvez seja essa razão, geográfica, que faz com que eles se preocupem tanto com o Sol e os solstícios, afinal, dias de 5 horas são em tudo diferentes de dias de 21h, dos pontos de vista econômico, social, mental ou ocupacional. Por exemplo a palavra evening, em inglês, não tem tradução exata em português, por que os países desta língua não têm esta parte do dia, que é o tempo em que o Sol se pôs mas não escureceu, fica um lusco-fusco, que dura das 18h até a meia-noite durante um bom tempo naquelas latitudes.

A palavra solstício é latina, quer dizer parada do Sol, e vem do fato que o Sol continuamente se mexe no horizonte, ao nascer, exceto nos 2 ou 3 dias antes do solstício. Mesmo em nossa região subtropical, quem vive em frente ao mar e acorda cedo sabe que o Sol nasce num lugar diferente no verão e no inverno. Esta mudança é muito mais perceptível e dramática nas latitudes mais extremas. Na prática, quase que dá para acompanhar dia a dia a mudança não só do local. mas também do horário do nascer e do pôr-do-Sol.

O fenômeno natural que leva aos solstícios é devido ao fato de que o globo terrestre não fica ereto, e sim inclinado em torno de 23 graus. O globo terrestre é torto como um pião que precisa girar. Esta é uma comparação muito próxima, porque o pião se mexe enquanto gira, e nosso planeta também, orbitando em torno do Sol. No solstício de 21 de junho os raios verticais do Sol batem no Trópico do Câncer no Hemisfério Norte. A inclinação vai e vem continuamente, de maneira que em 21 de dezembro é o Pólo Sul que está mais virado para o Sol, e o Trópico do Capricórnio recebe os raios solares diretos. Em junho o Pólo Norte está aceso em luz solar constante, enquanto o Pólo Sul está na escuridão.

O argumento geográfico para o maior interesse astronômico por parte de povos com pouco Sol é reforçado pelo fato de que não temos no Hemisfério Sul gente habitando latitudes tão extremas quanto as do Norte da Europa. A única massa de terra que chega perto do Pólo Sul é quase desabitada, na Argentina e no Chile.

Porém, existem argumentos contrários. Os maias da América Central e os incas dos Andes peruanos e bolivianos, sabiam tudo de solstícios e calendários astronômicos na época dos vikings. Seus astrônomos registraram cálculos em pedra, por isso sobreviveram muito melhor que os dos vikings, que construíam tudo em madeira. Mas esses povos provam que mesmo populações com muito Sol à sua disposição também podem desenvolver uma fascinação astronômica, não só aqueles povos para quem o Sol é um bem extremamente precioso. Então, fica difícil saber por que os povos que atualmente habitam regiões mais próximas do Equador não querem saber de estudar o Sol. Mas isso não importa, agora que repassamos todas estas informações.

Paulo Rogério M. de Bittencourt

é médico em Curitiba,
www.unineuro.com.br

Voltar ao topo