PEC pede direitos iguais para grupos discriminados

Tramita na Câmara dos Deputados, em Brasília, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 392/05, de autoria do deputado Paulo Pimenta (PT-RS). Se aprovada, a PEC altera o texto da Constituição, garantindo direitos iguais a todos os indivíduos, sem preconceitos de estado civil, orientação sexual, crença religiosa, deficiência ou quaisquer outras formas negativas de discriminação. Atualmente, a Carta Magna faz referência apenas aos preconceitos de origem, raça, sexo, cor e idade.

O projeto também altera o artigo referente aos direitos dos trabalhadores quanto à diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão no trabalho, acrescentando a proibição de discriminação por motivo de raça, orientação sexual, crença religiosa ou deficiência. De acordo com o deputado, os homossexuais, bissexuais e travestis são vítimas de violência e intolerância em todo o País, embora especialistas afirmem que a orientação sexual tem fortes possibilidades de ser determinada pela genética.

Já os portadores de deficiência, segundo Pimenta, continuam sendo discriminados apesar de o Brasil ser signatário da Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas com Deficiência. Para Paulo Pimenta, a aprovação da PEC resgatará a cidadania de milhões de cidadãos hoje preteridos do mercado de trabalho e discriminados no convívio social por motivos de orientação sexual ou deficiência física.

Mesmo com a possibilidade de serem beneficiados com a mudança na lei, representantes dos dois principais grupos pretendidos na mudança do texto na Constituição, ouvidos pela reportagem de O Estado, são unânimes: legislação não diminui o preconceito.

Legislação farta não impede discriminação

Mauro Nardini, presidente da Associação dos Deficientes Físicos do Paraná (ADFP), afirma que a legislação que protege os deficientes já é farta no País. "E isso não impede que todos os dias sejamos vítimas de preconceito", afirma. Para Nardini, é necessária a criação de uma política que crie consciência, e não que ameace as pessoas com cadeia. "O deficiente físico já deixou aquela condição de coitadinho. Ele sabe o que quer e o que pode fazer", diz.

Segundo o censo de 2000, cerca de 14% da população brasileira sofre com algum tipo de deficiência. E para essas pessoas, o preconceito acaba sendo o maior obstáculo numa vida já repleta de percalços. "O problema começa cedo. A lei garante o acesso de crianças com deficiência física à escola normal, mas quase não existem professores capacitados para atender alunos com deficiência auditiva ou visual", exemplifica Nardini.

Para o presidente, a intolerância continua pela vida afora de quem tem alguma deficiência. "O preconceito acaba ficando disfarçado. Quando algum deficiente se candidata a uma vaga no mercado, é sempre preterido." Mesmo que a lei já os proteja quanto a esse tipo de discriminação, Nardini explica que existem subterfúgios para garantir que o deficiente nem mesmo tenha acesso ao local que almeja trabalhar.

Nardini acredita que o Paraná está no caminho certo para a inclusão dessas pessoas, principalmente Curitiba, no que diz respeito à criação de condições para o acesso de pessoas com deficiências. "Já é uma conquista, pois não criar acessos aos deficientes, sejam eles visuais ou físicos, é uma forma de preconceito", afirma. Mas o principal para acabar com o preconceito, segundo ele, é despertar a consciência na sociedade. "Não adianta nada fazer vagas reservadas num estacionamento se existem pessoas que não respeitam. Isso demonstra uma falta de humanidade."

Paralítico há cinco anos, desde que sofreu um acidente automobilístico, Nardini estabelece o seguinte raciocínio para quem tem preconceito contra deficientes: "Até pouco tempo atrás eu era uma pessoa normal. A vida me deixou assim. Ninguém escolhe ser deficiente. E o preconceituoso de hoje pode estar na mesma situação amanhã". Somente no Paraná, cerca de 800 pessoas ficam com algum tipo de lesão medular todo ano devido a acidentes de trânsito. "Além disso, estamos observando um crescimento muito significativo desse tipo de lesão devido a ferimentos de armas de fogo", acrescenta.

Paraolimpíadas

O sucesso da delegação brasileira nas Paraolimpíadas da Grécia, que aconteceram no ano passado, podem ser, de acordo com o presidente da ADFP, um marco na luta por condições iguais. "Os paraatletas tiveram um êxito maior do que os normais. Agora as empresas correm atrás deles para oferecer patrocínio." Segundo Nardini, mesmo com o bom resultado nas Paraolimpíadas da Austrália, em 2000, somente depois da Grécia os atletas tiveram um reconhecimento merecido dos patrocinadores. "Isso mostra como o deficiente deve ser levado a sério. Além de uma pessoa capaz, ele também pode e deve ser economicamente ativo." (DD)

Leis em favor de homossexuais são barradas

Se de um lado o grupo de deficientes está bem representado legalmente, o mesmo não acontece com os homossexuais. Segundo Roberto Kaiser, presidente da ONG Inpar 28 de Julho, que luta pelos direitos dos gays no Paraná, leis estaduais e municipais em favor da classe são historicamente barradas no Estado. "Isso sem contar em Brasília, onde até o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, já disse que põe em votação, mas que é contra qualquer lei nesse sentido", afirma Kaiser.

Segundo o presidente da ONG, o preconceito contra gays no Paraná ainda é muito forte se comparado com São Paulo ou até estados do Norte e Nordeste. "Acredito que isso aconteça pois a miscigenação no Paraná se deu de povos considerados pouco tolerantes, como o japonês, o polonês e o alemão." Para o ativista, a mudança na Constituição não deve trazer muitos benefícios para os homossexuais. "Se a Constituição já diz que todos somos iguais perante a lei e mesmo assim o preconceito existe e é grande, não vai ser adicionando um termo de nomenclatura que vamos acabar com ele", acredita.

Quanto à inclusão do homossexual no mercado de trabalho, Kaiser também duvida que a lei contribua muito com o panorama atual. "Já existe legislação garantindo direitos iguais e mesmo assim existem dezenas de casos de pessoas que são demitidas ou nem contratadas porque são homossexuais. Se ela for HIV positivo, é muito mais freqüente", diz Kaiser, que também é assessor do Comitê Técnico de Controle das DSTs do Ministério da Saúde.

Mas o ativista acredita que uma parcela grande dos paranaenses já está deixando de lado o preconceito, e isso se deve ao trabalho das ONGs. "A absorção da cultura gay já é grande no País. Basta ver a Parada Gay em São Paulo." A edição deste ano, realizada no início do mês, foi pela segunda vez consecutiva a maior do mundo, reunindo cerca de 2 milhões de pessoas. O Brasil é hoje o País no mundo onde mais se realizam paradas gays.

"Ao contrário do que muita gente pensa, esse evento não é um Carnaval fora de época. As paradas servem para unir os grupos em prol da diversidade e exigir políticas públicas." A Parada Gay de Curitiba em 2004 reuniu 25 mil pessoas. Este ano estima-se que tenha reunido entre 30 e 80 mil participantes. "Isso mostra como essa cultura já tem uma maior abertura por aqui."

Dois mundos

O presidente do 28 de Julho acredita que estão se criando duas esferas de preconceito: uma mais tolerante, para gays ricos ou em posições sociais consideradas boas, outra para gays pobres. "Existe uma demanda por vendedores que sejam homossexuais em lojas sofisticadas. Ninguém sai de um local desses ao descobrir que a pessoa que o está atendendo é gay", afirma. "Pelo contrário, acaba comprando até mais."

Kaiser cita ainda uma pesquisa que diz que os homossexuais são uma fatia importante do mercado. "Gays viajam em média seis vezes por ano, gastam mais com roupa, restaurante e cultura. Não é saudável para os negócios discriminar um consumidor desses", diz. "O que as pessoas devem entender é que ninguém escolhe ser gay de uma hora para outra. É um fator genético. Ou alguém acreditaria que eu escolheria ser homossexual com todo o preconceito que existe por ai?" (DD)

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