O decálogo de Assis

Em janeiro de 2002, realizou-se em Assis, Itália, o Dia de Oração pela Paz no Mundo. Compareceram 44 delegações religiosas, somando 12 credos diferentes. Todos apresentaram suas preces, pela busca da unidade e concórdia entre as nações, pela busca do progresso entre os povos e pela paz na grande família humana.

Entre as delegações, havia muçulmanos da Arábia Saudita, Albânia, Bósnia e Bulgária; habitantes do Egito, Marrocos e Senegal; budistas de Taiwan; hinduístas da Índia; confucionistas da China e Coréia; xintoístas do Japão; gente do Líbano e da Líbia; seguidores de Tenrikyo do Japão; católicos e evangélicos.

As intervenções de homens e mulheres, representando as diversas confissões religiosas, manifestaram um grande painel de intenções e propostas, consubstanciadas na busca da paz e na concórdia entre os povos. As vontades expressas em forma de preces encontram-se no Decálogo de Assis, publicado a 24 de fevereiro de 2002, juntamente com uma carta do papa João Paulo II.

Na referida carta, Sua Santidade expressa seu agradecimento ao grande comparecimento religioso; faz votos de que as promessas inspirem aos homens e mulheres de boa vontade generosidade e grandeza de ânimo, coragem para procurar sempre a verdade, a justiça, a solidariedade e o amor, a fim de que os povos possam encontrar, quanto antes, os benefícios da paz.

O papa, por sua vez, reforçou a disposição e a confiança da Igreja para “o aperfeiçoamento na caridade e na paz” (1 Cor 13,11). Da mesma forma, a Igreja continuará a empenhar-se “para que o diálogo leal e frutífero, o perdão recíproco e a concórdia mútua assinalem os caminhos dos homens e mulheres neste terceiro milênio”.

Entre as contribuições mais valiosas, destacamos as seguintes:

1.ª) A firme convicção de que a violência e o terrorismo contrastam profundamente com o espírito religioso.

2.ª) A condenação de qualquer recurso à violência e à guerra, em nome de Deus e da religião.

3.ª) Fazer o possível para erradicar as causas do terrorismo.

4.ª) Educar as pessoas para a coexistência harmoniosa e solidária entre as diversas etnias, culturas e religiões.

5.ª) O perdão de eventuais preconceitos e erros cometidos no passado.

6.ª) Aprender do passado que a paz sem justiça é um erro de perspectiva.

7.ª) Fazer-se voz dos que não têm voz, colocando-se ao lado dos que sofrem abandono e miséria.

8.ª) Empenho para que, em nível nacional e internacional, seja edificado e consolidado um mundo mais harmonioso e pacífico, fundado na justiça e nos interesses da coletividade universal.

Para o Encontro de Assis, a juventude italiana exerceu um papel fundamental. Provenientes de toda Itália, 2.500 jovens passaram a noite de 23 para 24 de janeiro de 2002 em vigília, orando e cantando na Basílica de Nossa Senhora dos Anjos, pedindo luzes e graças para o bom êxito do acontecimento. Há na oração – assim o cremos – excepcional força e valor, visto que o orante traz estampado em seu íntimo a marca do seu “fabricante”. Somos criados à sua imagem.

Esta marca exprime algo curioso e espontâneo: na medida em que o homem se conscientiza do vazio que o cerca e da sua dependência do Criador, brada por socorro. É neste brado espontâneo da criatura que se manifesta um claro reconhecimento da própria limitação pessoal, embora tímida e indefinida, mas presente e atuante. Até o ateu confesso, quando sente o seu potencial humano fracassar, apela para a oração. Na hora do apuro, a oração lhe brota espontânea do coração, não dos lábios, e o primeiro anseio dessa oração é a paz. Paz que não é especulação, nem o silêncio das armas ou tranqüilidade do túmulo. Essa é uma verdade que não precisa de comprovação científica, basta observar e compreender.

Trata-se de uma das verdades humanas e fundamentais que o Encontro de Assis manifesta. Muito antes do cristianismo, Cícero anotava que “ninguém é tão primitivo, nem tão bárbaro, que não acredite em Deus”. Bronislau Malinoski, abalizado antropólogo da modernidade, confirma essa afirmação. Com efeito, todos somos chamados à mesma finalidade, que a Bíblia expressa com as seguintes palavras: “Ver Deus face a face”. Conheçam ou não este Evangelho, todos têm a mesma vocação, à qual devem responder com sinceridade e verdade, procurando o exercício do bem neste vasto e profundo oceano do terceiro milênio.

Estes são alguns pontos de convergência, que integram a unidade do gênero humano e justificam o Encontro de Assis para orar a Deus com sinceridade, cada qual à sua maneira e ditames do seu coração.

Vendelino Estanislau

é filósofo, teólogo e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

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