Foto: Arquivo/O Estado

A gralha-azul, que está em extinção há muito tempo, pode ser encontrada em alguns cativeiros.

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A recente descoberta de 150 novas espécies de animais nas Montanhas Foja, na Indonésia, continente asiático, expõe o quanto o homem ainda precisa conhecer do planeta onde vive. Todos os anos, inúmeras novas espécies são catalogadas. O cenário é animador, mas há um enorme porém. Muitos deles sequer serão conhecidos, pois foram extintos antes mesmo de serem identificados.

Na Indonésia, uma equipe de cientistas da organização não governamental (ONG) Conservação Internacional divulgou, em fevereiro deste ano, a descoberta de 40 espécies de mamíferos, 20 de rãs e quatro de borboletas, além de pássaros e outros insetos. Entre os mamíferos, está o canguru de árvore de manta dourada.

Os cientistas tinham um relato do século XIX de algumas aves da região que nunca mais foram encontradas. Se pensava que elas estivessem extintas, mas foram fotografadas por eles. A equipe ainda identificou espécies de mamíferos que haviam sido caçadas quase até a extinção. Ali, porém, foram detectados em abundância.

Na época, o pesquisador Bruce Beehler disse que as Montanhas Foja eram o lugar mais próximo do Jardim do Éder na Terra. Ele acredita que descobertas semelhantes podem acontecer na África e na América do Sul. De acordo com o cientista, isto prova que ainda existem lugares a serem descobertos, que o homem ainda não tocou.

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Leandro Salles, presidente da Associação Memória Naturallis, rede de museus de história natural e instituições brasileiras que possuem acervos sócio-ambientais, revela que já foi feito um grande avanço no conhecimento das espécies de animais que habitam o planeta. No entanto, estas descobertas ainda são pequenas diante do imenso número de espécies. ?Apesar dos avanços em conhecer a natureza, a nossa capacidade técnica hoje é muito maior do que antes. Ainda conhecemos uma pequena parte de tudo isso. No caso dos microorganismos, não conhecemos quase nada, provavelmente um pouco mais de 1%?, comenta. Ele ainda ressalta que, no Brasil, há espécies para serem identificadas no cerrado e na Amazônia, pelo menos.

As novidades aparecem o tempo todo no mundo, mas nem sempre são divulgadas da maneira como deveriam. Há um enorme número de espécies descritas por ano. Quantas habitam o planeta Terra é uma pergunta que muitas gerações ainda vão fazer. Talvez, nunca se saiba a real quantidade. ?Entre o que já conhecemos e o que tem a ser descoberto há um espaço infinito?, assegura Salles.

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A pesquisadora da Embrapa Florestas, Sandra Bos Mikich, uma das editoras técnicas do Livro Vermelho da Fauna Ameaçada no Estado do Paraná, fala que a descoberta de mamíferos e aves, hoje em dia, pode ser considerada surpreendente.

A descoberta de invertebrados é corriqueira. Todos os dias se encontram espécies novas. A possibilidade de encontrar mamíferos e pássaros é muito grande em áreas nunca tocadas. Isso não poderia acontecer no Paraná?, afirma.

Uma das últimas identificações de novas espécies no Estado aconteceu em 1996. Foi encontrado, no litoral, a ave bicudinho-do-brejo, que vive em áreas alagadas. Mal descoberto, foi incluido na lista dos animais em risco de extinção. Isto aconteceu porque o habitat do pássaro está sofrendo uma intensa ocupação humana.

Muitos animais já sumiram ou ainda vão sumir sem que o homem tenha tido qualquer conhecimento da suas espécies. ?Isso acontece principalmente com os invertebrados ou animais de uma área muito específica?, explica Sandra. Para ela, é natural o comportamento do homem em querer conhecer o máximo que pode, ainda mais sobre o que está para ser descoberto.

Mas as espécies já identificadas não podem ficar esquecidas. ?Todos deveriam se concentrar na conservação do que já foi descoberto. Não dá para pensar em manter uma espécie sem dar condição para isto?, conclui a pesquisadora. Sandra lembra que, só no Paraná, estão em extinção 163 espécies de mamíferos, aves, répteis, anfíbios, peixes, abelhas e borboletas, distribuídas em quatro categorias – desapareceram no Estado, criticamente em perigo, em perigo e vulneráveis. Outras 43 espécies estão quase ameaçadas de desaparecer no Estado.

Estudos para catalogar diversos exemplares

Quando um cientista encontra um animal na natureza que acredita nunca ter sido identificado, ele é comparado com os exemplares já conhecidos, que fazem parte de coleções guardadas em museus de história natural ou outras instituições similares. É feito um estudo para saber a origem desta espécie. ?São verdadeiros mosaicos e, comparando diferentes mosaicos, se chega a uma hierarquia?, assegura Leandro Salles, da Associação Memória Naturallis. Os objetivos das coleções são armazenar, preservar e ordenar o acervo de espécies que representam a diversidade biológica de uma determinada área. As coleções são essenciais para o entendimento da biodiversidade e sua preservação.

A identificação de novas espécies é favorecida quando existe acesso ilimitado a todo o acervo existente sobre tal região. O problema é que a grande parte das coleções da biodiversidade brasileira, por exemplo, estão depositadas na Europa e nos Estados Unidos. ?Os museus de história natural e os herbários são os principais locais do que se sabe de fauna e flora. Para se identificar uma nova espécie, dar um nome científico a ela, tudo depende do acervo existente?, afirma.

Para a pesquisadora Sandra Bos Mikich, da Embrapa Florestas, o fato da maior parte dos exemplares estar fora do Brasil dificulta muitos trabalhos. ?Você só consegue fazer a identificação vendo os exemplares. Não há outra forma. Às vezes é um detalhe muito pequeno que separa as espécies. Como a maior parte das coleções está fora do Brasil é preciso viajar o mundo e, para isto, arcar com um custo significativo?, lembra.

Sandra acredita que as instituições brasileiras passam por diversos problemas para conservar os exemplares. As coleções exigem manutenções específicas, segundo cada espécie e grupo animal. ?No nosso país, ora recebe recursos, ora não. E as coleções podem ser perdidas pela falta de manutenção. Embora seja ruim as coleções estarem em outros países, é uma segurança de que serão bem conservadas. Inclusive há uma política em não deixar todos os exemplares em um único local. É uma segurança, caso aconteça alguma coisa?, esclarece.

Segundo Leandro Salles, é essencial que se façam acordos internacionais entre os países megadiversos e os que têm o conhecimento da megadiversidade, para que haja uma troca maior destas informações armazenadas. ?As maiores coleções não estão nos países megadiversos, como Brasil, Austrália, China, Malásia, Indonésia, África do Sul, Venezuela e Equador. O grosso está acumulado lá fora e é mais do que necessário encurtar essa distância?, opina. (JC)