“Meu medo era que me obrigassem a consumir alguma droga”

A repórter Melissa Bergonsi, da Rádio CBN de Curitiba, levantou um assunto delicado e pouco explorado pela mídia: o consumo livre de drogas e a prática de sexo grupal em casas noturnas freqüentadas por jovens de classe média alta. “Quis sair desse estereótipo de mostrar drogas vendidas nas ruas e usuários marginalizados”, explica.

Melissa passou uma noite, entre 22h e 5h, em uma boate da cidade. Presenciou o uso irrestrito de cocaína, maconha, lança-perfume e ecstasy, e ainda constatou que nessas noitadas os rapazes e garotas praticam sexo livremente. Gravou mais de duas horas de entrevistas. Editada, a matéria se transformou em série especial que foi veiculada em capítulos, durante toda esta semana, na CBN local e também nacional.

A repercussão foi imensa. “Recebi dezenas de e-mails de todo o Brasil parabenizando e apoiando a iniciativa. Mas também chegaram muitas mensagens de pais, daqui de Curitiba mesmo, preocupados ? eles nem sonhavam que nas baladas que os filhos freqüentam acontece esse tipo de coisa”, conta Melissa.

O que mais chocou a repórter foi perceber que a garotada de classe média ? “essa que você vê durante o dia, estudando, trabalhando, dirigindo seus carros, comendo nos bons restaurantes e morando em bairros nobres” ? vai aos clubes noturnos com a intenção explícita de consumir drogas e praticar sexo com mais de um parceiro. “Conseguir cocaína ou maconha, as duas mais usadas lá dentro, é facílimo. Já na fila de entrada da boate conhecemos uns garotos que sabiam de quem comprar”. E mais: embora na portaria seja exigida a identidade, Melissa percebeu que havia menores entrando no local, mas que por serem clientes assíduos tinham passe livre.

Melissa foi à luta acompanhada por Melina Costa, produtora da CBN. A idéia surgiu quando um amigo da repórter, de 17 anos, comentou o que tinha visto em uma balada noturna. A missão foi arriscada. Melissa pegou emprestado um minigravador com microfone escondido e saiu em campo sem falar com ninguém além de Melina. As duas entraram na boate e foram fazendo contato com as pessoas. “Sabia que estava correndo risco, mas achei que quanto menos gente soubesse antes, melhor”.

O passo seguinte foi editar o material ? trabalho que levou uma semana para ficar pronto. “Gravei meus textos em primeira pessoa. Achei que por ser uma matéria especial teria que ter essa característica – tentei transmitir minhas impressões sobre o que testemunhei”, conta Melissa.

Uma vez pronto, o material foi apresentado à chefia da CBN em Curitiba. “A direção da rádio encampou a idéia, me deu todo o apoio e ainda ?vendeu? o material para o nacional”, conta. Por orientação da assessoria jurídica da CBN, Melissa não revela nomes das pessoas nem em qual boate esteve. “Pelas conversas gravadas, deu para perceber que o que rola naquela casa rola em diversas outras, em festas e em vários dias da semana”, diz.

Melissa tomou cuidado em não simular compra nem uso de entorpecente. Apenas conversou com a garotada e observou a situação. “Meu medo, na verdade, não era de que percebessem que eu estava com gravador, e sim que me obrigassem a consumir alguma droga, coisa que nunca fiz”.

Ela testemunhou o sexo grupal praticado em cabines dentro da boate e na pista de dança. “Uma das pistas era escurinha e própria para isso. Ali você vê de tudo. Aquelas filas de homens e mulheres dançando encaixados, igual baile funk. Percebi também que gays enrustidos aproveitam o embalo para se soltar”.

Esta semana, a repórter conversou com um delegado que há um mês prendeu um empresário de classe média alta que fornecia ecstasy em grandes quantidades para boates e festas rave da cidade. “O policial me explicou o quanto é difícil rastrear, coibir e prender traficantes de drogas nesse meio. Tudo acontece em ambientes fechados”, diz Melissa.

Ainda ontem a reportagem do site Comunique-se conversou com um policial que participou da prisão do traficante de ecstasy. “Estamos investigando todos os nomes que estavam na agenda e no celular dele. Você tem que ver cada advogado que vem aqui na delegacia falar em nome do cliente. É só figurão, gente ?da alta?. O negócio é complicado”, revelou o policial.

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