A proibição de escala de um “cruzeiro gay” no porto marroquino de Casablanca, somada à polêmica das supostas ameaças de um imame contra um jornalista de tendência liberal, voltam a levantar o debate sobre liberdade sexual no Marrocos.

continua após a publicidade

No último fim de semana, a companhia americana RSVP Vacations, especializada em turismo homossexual, informou a seus clientes que o cruzeiro “Nieuw Amsterdam”, que contava com 1.569 passageiros gays e 869 tripulantes, não poderia mais fazer escala em Casablanca. Isso porque as autoridades locais cancelaram a autorização que haviam emitido à companhia previamente.

Até o momento, nenhuma fonte oficial explicou os motivos desta proibição. Mas, no Marrocos, a homossexualidade é punida com pena de 6 meses a 3 anos de prisão (artigo 489 do Código Penal), e o tema é um dos tabus mais polêmicos na sociedade.

Em carta, a companhia RSVP indica que o Marrocos demonstrou uma “tolerância histórica de boas-vindas ao turismo gay”, mas o certo é que a homossexualidade no país ainda representa riscos para aqueles que assumem gostar de pessoas do mesmo sexo. Essas pessoas, em geral, acabaram estabelecendo residência na França ou na Espanha.

continua após a publicidade

Em uma sociedade cada vez mais conservadora, as liberdades sexuais se transformaram em um assunto difícil de ser abordado até nos artigos de imprensa, nas tribunas políticas e, é claro, nos púlpitos das mesquitas.

Que o diga o jornalista Mokhtar Laghzioui, do jornal “Al Ahdath Al Maghribiya”. Ele foi ameaçado por um imame da cidade oriental de Uxda por ter se manifestado a favor da liberdade sexual em um debate público, inclusive ao falar de sua mãe, filha e irmã.

continua após a publicidade

O imame Abdellah Nhari, conhecido por suas posições ultraconservadoras, respondeu em um vídeo disponível no YouTube que essas opiniões significavam uma promoção do adultério e que estava ciente de que o profeta Maomé tinha a seguinte opinião sobre o assunto: “Matem os que não sentem ciúmes”, segundo suas palavras.

A Procuradoria Geral de Uxda considerou que o imame tinha ido longe demais e abriu uma investigação pela suposta “incitação à violência”, o que demonstra que o Estado tomou conhecimento do assunto e quis interferir no discurso religioso radical expressado cada vez mais abertamente.

O debate sobre a liberdade sexual é o enésimo caso de controvérsia entre os setores laicos e conservadores no Marrocos, que se aguçaram com a chegada ao governo do Partido Justiça e Desenvolvimento (PJD) e suas polêmicas decisões sobre álcool, jogos de azar e controle da programação televisiva.

Foi a Associação Marroquina de Direitos Humanos (AMDH) que, numa recente conferência sobre o estado geral das liberdades no Marrocos, solicitou a revogação do artigo 490 do Código Penal, que pune com penas de 1 a 12 meses de prisão os que tiverem relação sexual extraconjugal.

Esse pedido fez com que chovessem críticas contra a AMDH, tida como uma organização que trabalha por temas alheios às preocupações dos marroquinos de fé, que tenta impor agendas estrangeiras e que mina os valores da identidade marroquina por citar os argumentos mais utilizados em diferentes artigos de imprensa.

Khadija Riadi, presidente da AMDH, afirmou à Agência Efe que as críticas recebidas “aproveitam a ignorância e o analfabetismo das pessoas” em uma sociedade “condicionada por uma educação rígida que não predispõe a aceitação ao que é diferente, já que os jovens não são educados com base na tolerância”.

Ela admitiu que a liberdade sexual não está no coração das preocupações do marroquino, mas acrescentou que “os direitos e liberdades são indivisíveis, e não cabe falar de liberdade de expressão se excluímos o direito ao uso do próprio corpo”.

Em relação à acusação de “querer impor agendas alheias”, algo que é acompanhado de uma campanha de descrédito sobre o financiamento das ONGs, Khadija afirma que as autoridades buscam “manchar” o trabalho global de certas associações para desqualificá-las com fáceis argumentos sobre imoralidade.

O governo liderado pelo islamita PJD guarda um prudente silêncio diante desse debate, e os ministros de seus partidos associados, de tendência mais liberal, permaneceram mudos diante dessa polêmica.