Guerra & paz: reflexões breves

Sustentam alguns, estranhamente, que há guerras justas. Já eu vejo nessa estreita aproximação do substantivo e do adjetivo uma espécie de contradição em termos. Nenhuma guerra é justa. É sempre preferível a paz, ainda que injusta. Ela será sempre menos dolorosa. E, por que não dizê-lo, mais barata.

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O tremular dos pendões e dos estandartes e o toque metálico dos clarins dos exércitos vitoriosos não conseguem silenciar os gritos dos órfãos, dos pais e das viúvas dos que morreram nas frentes das batalhas irremediavelmente insanas.

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Os princípios que às vezes se invocam para justificar e até legitimar algumas guerras, não passam de cortina de fumaça, dialética furada ou mesmo máscaras conceituais encobrindo motivações espúrias. Não são princípios: são o fim. Da picada, é claro.

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Suprema neutralidade, a da chuva e do sol, derramando-se igualmente sobre os dois exércitos em confronto.

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Os canhões que clamam e as bombas que vociferam nos campos de batalha podem abafar durante algum tempo a voz da razão. Só não conseguirão silenciá-la para sempre. Em algum momento, a razão falará mais alto. Para demonstrar que a guerra, se não fosse um crime hediondo, o ápice do irracionalismo humano, seria uma sandice inominável.

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Os únicos subprodutos até certo ponto aceitáveis de algumas guerras antigas são algumas ruínas interessantes. Às vezes, paradoxalmente, líricas, quando não bucólicas.

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Uma espécie animal que investe em armamentos, na infinita parafernália do instrumental bélico de destruição em massa, dez vezes mais do que seria suficiente para erradicar a fome da face da Terra, só por escárnio merece a designação de homo sapiens. Sapiens? Seria melhor dizer: burríssimus.

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A guerra exige enormes arsenais e largos contingentes de soldados que se transformam em bucha para canhão. Para a paz são necessárias apenas doses homeopáticas de sensatez, equilíbrio, racionalidade – e humanismo.

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A guerra transforma o homem no mais repulsivo dos animais. Estes, exercitando o seu instinto ou mesmo a sua “inteligência animal” (por que negá-la?), jamais promovem qualquer tipo de confronto bélico com outras espécies.

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Calamidade suprema, na sua intrínseca iniqüidade, na sua hedionda sordidez, a guerra tem pelo menos um mérito inquestionável: exemplificar dramaticamente a infinita superioridade da paz.

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Há guerras santas, como pretendia o marcial e dionisíaco Nietzsche? Perguntem às suas vítimas. Ou melhor: aos pais, aos filhos e às esposas das suas vítimas irremediáveis.

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Não, não é mero eufemismo, ou fórmula retórica, considerar o campo de batalha como “teatro de operações”. De fato: lá se desenrolam dramas e tragédias cujo epílogo é quase sempre o mesmo: a morte dos atores.

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Curiosamente, embora as guerras sejam promovidas e exercitadas pelos homens, são as mulheres as suas maiores vítimas. Por isso Horácio, numa das suas odes, falou da “bella matribus detestata” – a guerra detestada pelas mães.

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Segundo alguns “belicólogos” (passe o neologismo), os Estados Unidos possuem armas atômicas suficientes para destruir o nosso planeta cinqüenta ou cem vezes. A Rússia, idem. Mas atenção: é bom não se esquecer que uma só vez é mais do que suficiente. “Et pour cause…”

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Armadas até os dentes, algumas potências militares pretendem impor a sua paz aos outros. Quer isso dizer que até o pacifismo, ou melhor, pseudopacifismo, pode ser bélico.

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Poderá haver paz autêntica onde não há justiça? E poderá haver justiça genuína onde não há paz? Sim, a justiça e a paz caminham de mãos dadas.

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O rufar dos tambores nos campos de batalha (tambores naturalmente metafóricos, em nosso tempo amargo de “fezes e traição”) apenas prenuncia o dobrar dos sinos de John Donne, nas torres melancólicas das igrejas. Isso que importa, para os fautores de todas as guerras iníquias e estúpidas?

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Findas as guerras, vem a contabilização dos seus custos. E constata-se, sem surpresa, que se as derrotas são muito caras, as próprias vitórias não são mais baratas.

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Como podem as pombas da paz resistir ao assédio das armas de rapina?

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A Terceira Guerra Mundial terá pelo menos uma conseqüência positiva: tornará simplesmente impossível a quarta, por falta de matéria-prima com que se fazem as guerras: seres humanos travestidos de soldados.

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Estupidez, insânia, paranóia, absurdo? Só assim poderemos considerar a guerra sinistra que os EUA se preparam para deflagrar contra o Iraque, ao arrepio da vontade da esmagadora maioria da opinião pública mundial, árabe e não-árabe. O intento e a provável ação bélica anglo-americana seriam ridículos e risíveis, se não fossem trágicos, patéticos. Monomaníaco, o presidente Bush (o “bushinho”, para distigui-lo do pai, o “bushão) está se preparando para cometer um autêntico crime contra a humanidade. Se o terrorismo individual (ou grupal) é uma insânia, o que dizer do terrorismo exercitado por uma grande potência, talvez a única potência militar do mundo contemporâneo? É uma calamidade inominável. Porém, maior ainda do que o terrorismo militar, é o terrorismo econômico. Os dois são vinhos da mesma pipa hedionda: o neocolonialismo ianque, também chamado de globalização.

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Diz o grande papa João Paulo II, e diz bem: “Abençoados sejam os que promovem e defendem a paz no mundo, em obediência à lição d’Aquele que é o Príncipe da Paz, Jesus Cristo. Eles serão chamados filhos de Deus. Amém”.

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E se a guerra vier? “Dona nobis nauseam, Deo.”

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