Folclore à flor da pele

Sabe o que tem em comum as advinhações, os provérbios, as piadas, trava-línguas, lendas, mitos, crendices, supertição, artesanato, canções de ninar, culinária regional, simpatias e danças de um lugar? Tudo é folclore. Tudo é cultura popular.

A mistura de saberes de índios, negros e europeus transformou o nosso folclore num dos mais ricos do mundo, o que já é motivo de orgulho. Aqui há até uma data comemorativa e é nesta terça feira, dia 22, que o Brasil comemora o Dia do Folclore.

A Tribuna, que é o jornal mais popular de Curitiba, não podia esquecer esta festa.

Protetor de pés virados pune caçadores

folclore1200806.jpgCurupira é o protetor da floresta, da caça e dos caminhos. É animado como um moleque, desses que passam os dias a correr e brincar, mas é mais peludo -quase como um macaco -, tem o cabelo vermelho, a voz fanhosa e os pés virados para trás, um artifício natural para despistar os caçadores, colocando-os numa perseguição a falsos rastros.

Usa um ferrão de metal para ressuscitar animais abatidos e deixados nas matas. Dizem que ele desorienta o caçador assoviando em seus ouvidos e que parte o machado de quem pretende cortar árvores sem necessidade.

É conhecido em todo o Brasil e, dependendo da região, pode aparecer como um ser cruel, que castiga os que entram na mata. Deparar com o Curupirta traz conseqüências desagradáveis: um surra de chicote ou cócegas. Há uma versão onde ele, como castigo, transforma os filhos e mulher do caçador mau em caça, para que este os mate sem saber.

Em Minas e Manaus, ele fuma cachimbo. No nordeste é um caboclinho de um olho só, no meio da testa. No Paraná é um homem baixinho, peludo e que anda montado num porco-espinho. No Vale do Paraíba é mais conhecido como Caipora, usado até para designar gente de cabeleira alvoroçada.

Na Argentina ele existe como um gigante peludo e cabeçudo. Também é relatado na Bolívia, Paraguai e Venezuela. Em El Salvador o Curupira é El Cipitío, um ser mágico de pés invertidos, capacidade de desorientar as pessoas e seduzir as mulheres. Lá, ele às vezes monta um porco-do-mato, outras é seguido por um cachorro chamado Papa-mel.

Ficha técnica

Nomes comuns: Caipora, Curupira, Pai do Mato, Mãe do Mato, Caiçara, Caapora, Anhanga(entre os índios tupis).

Origem: É uma lenda indígena que data da época do descobrimento do Brasil. Curupira quer dizer corpo de menino em tupi: ?Curu? curumim + ?pira? = corpo. Caipora também é tupi: ?caá?, mato e ?pora?, habitante.

Símbolo dos abolicionistas

O Negrinho do Pastoreio era um escravo jovem que foi maltratado pelo dono da fazenda. Por ter esquecido um cavalo no pasto, ele foi açoitado e colocado em cima de um formigueiro. No dia seguinte, quando o fazendeiro foi ver o estado de sua vítima, tomou um susto. O menino estava lá, mas de pé, com a pele lisa, sem nenhuma marca das chicotadas. Ao lado dele, a Virgem Maria, e mais adiante o animal esquecido. Arrependido, o estancieiro se ajoelhou pedindo perdão, mas o negrinho nada respondeu. Apenas beijou a mão da Santa, montou no baio e partiu.

Origem: Fim do século XIX, Rio Grande do Sul. Era contada pelos brasileiros que defendiam a abolição.

Cuidado com o assovio, pode ser a Matinta!

Se é um pássaro ou uma velha ninguém sabe explicar. O que se sabe é que quando a Matinta Perêra assovia, todo mundo presta atenção. A Matinta é um mistério. Dizem que ela é o Saci Pererê que assume a forma de uma ave. Também pode ser uma velha vestida de preto, com o rosto coberto, que flutua no ar. Sai nas noites escuras, sem lua e quando vê alguém sozinho assovia e o som lembra a palavra: ?Matinta Perêra…?

Para os índios Tupinambás, a ave trazia notícias dos parentes mortos.

E um mito comum em áreas rurais e em cada localidade, a Matinta é um personagem diferente, mas sempre uma senhora de idade, sozinha e de pouca conversa.

Dizem que a Matinta gosta de mascar tabaco. E quando lhe prometem o fumo, ela vai buscar no dia seguinte. Para se descobrir quem é a Matinta Perêra, a pessoa deve responder o seu assovio com um convite: vem buscar tabaco. No dia seguinte, a primeira pessoa que chegar pedindo café ou fumo é a Matinta Perêra. Acredita-se que ela possua poderes sobrenaturais e que seus feitiços possam causar dores ou doenças nas pessoas, por isso, se você a convidar, tenha o fumo prometido.

Ficha técnica

Nomes comuns: Matinta Pereira, Saia-Dela (Pernambuco), Matinta, Matiapererê.

Origem: É provavelmente uma adaptação da lenda do Saci. Na região norte, a Matinta Perêra seria um pequeno índio, com uma perna só e com um gorro vermelho na cabeça, semelhante ao Saci, que só anda acompanhado por uma velha muito feia.

Moleque travesso e mágico

folclore2200806.jpgA lenda do Saci vem do tempo da escravidão. É um moleque travesso. Negro, de uma perna só, que fuma um cachimbo e usa na cabeça uma carapuça vermelha que lhe dá poderes mágicos, como o de desaparecer e aparecer onde quiser. Existem 3 tipos de Sacis: O Pererê, que é pretinho; o Trique, moreno e brincalhão, e o Saçurá, que tem olhos vermelhos. Ele também se transforma numa ave chamada Matiapererê, cujo assovio ninguém sabe de onde vem.

Adora fazer pequenas travessuras, como esconder brinquedos, soltar animais dos currais, derramar sal nas cozinhas, fazer tranças nas crinas dos cavalos. Diz a lenda que dentro de todo redemoinho de vento existe um Saci. Se alguém pular dentro do redemoinho com um rosário de mato bento ou uma peneira, pode capturá-lo, e se conseguir sua carapuça, será recompensado com a realização de um desejo.

Ele não atravessa córregos nem riachos. Alguém perseguido por ele deve jogar cordas com nós em seu caminho que ele vai parar para desatá-los, deixando que a pessoa fuja.

É conhecido em todo o País. Há uma versão que diz que o Caipora é seu pai.

Ficha técnica

Nomes comuns: Saci-Cererê, Saci-Trique, Saçurá, Matimpererê.

Origem: Os primeiros relatos datam do século XIX, em Minas e São Paulo.

 

Xô, mau-olhado

A crença no mau-olhado é universal. E o mal-occhio, o evil eye, o mal de ojo. Em português a inveja alheia é mau-olhado, olho de seca-pimenteira, olho-grande, olho de inveja, olho-mau, maus-olhos. Uma mistura de crendice e simpatias. Folclore dos mais antigos.

A mágica de proteção contra o mau-olhado na antiga Grécia era desenhar ou gravar olhos nos objetos.

A figa é o amuleto mais usado e um dos mais antigos. Sabe-se que já existia entre os etruscos. É mencionada por Dante e por Shakespeare. Encontraram-se inúmeras figas nas ruínas de Herculano e de Pompéia.

Simpatia

Aqui a sabedoria popular manda usar um galhindo de arruda ou guiné atrás da orelha para evitar o mau-olhado. Uma fitinha vermelha também espanta o olho-gordo do carro ou do animal de estimação.

Se mesmo assim você começar a bocejar ou espirrar sem parar, é sinal de que ?pegou?. Mas espantar essa coisa ruim também é fácil. E só tomar banho com sal grosso ou com chá de arruda e guiné ou com chá de guiné, alecrim e alho. As senhoras idosas garantem que não sobra nada de ruim… no astral… mas no corpo o cheiro que fica…

Serpente de fogo

Boitatá é uma serpente de fogo, que mora nos rios de água profunda. Uma cobra grande que mata os animais que chegam perto da água, comendo-lhe os olhos. A lenda conta que, por ela comer os olhos dos animais, absorve a luz dos mesmos, ficando como fogo brilhante na água.

É um mito comum em todo o País, mas dependendo da região o Boitatá pode ser um touro muito grande que solta fogo pela boca. Ou ainda espírito de gente ruim, que vaga pela terra, tocando fogo nos campos.

Em 1560, o Padre Anchieta já relatava a presença desse mito. Dizia que entre os índios era a mais temível assombração.

Festival resgata lendas

Hoje é dia de ver Curupira, Sereia e Saci em Curitiba. No último dia do Festival da Cultura Popular do Centro de Criatividade do Parque São Lourenço tem mostra de cinema e almoço caiçara com barreado, arroz lambe-lambe (com ostras inteiras), siri metido a besta (uma espécie de torta), pirão de camarão e mãe ca filha – é assim mesmo que se escreve – o nome do aperitivo feito com cachaça e melado de cana. Tudo ao som de rabeca e viola.

Quem quiser tá convidado. O almoço, à vontade, custa R$ 10,00 (bebidas à parte) a partir do meio-dia no Parque São Lourenço. Às seis da tarde começa o festival de curtas, última atividade do evento, com ingresso único de R$ 2,00.

Festival

Durante uma semana o folclore foi tema de espetáculos cênicos, shows, palestras, mostra de vídeo, exposição, workshops e oficinas, incluindo uma de gastronomia caiçara.

Professores e crianças aprenderam danças, lendas e artesanato, brincando.

?A união é o que mais diverte no folclore. Ele faz uma sociabilização natural. Através de diversas formas – contando histórias, dançando, fazendo arte – você brinca, se diverte. E assim as pessoas vão se aproximando?, analisa Salete Cercal, idealizadora do festival.

Programação de hoje

Um Sonho Popular (Doc. – 10 min)

O Curupira (Ficção – 12 min)

Som de Rua – Castanha e Caju (Doc. – 2 min)

Entrevista com o Vampiro (Animação – 4 min)

A Verdadeira História de Tião Coió (Doc. – 5 min)

Rosinha, Minha Sereia (Ficção – 15 min)

Som de Rua – As Três Ceguinhas ( Doc. – 2 min)

As Viagens de um Saci (Animação – 8 min)

O Mundo é uma Cabeça (Doc. – 17 min)

A maldição da ?Mula-sem-cabeça?

folclore3200806.jpgOnde existam casas rodeando uma igreja, em noites escuras, pode haver aparições da Mula-sem-cabeça. Também se alguém passar correndo diante de uma cruz à meia-noite, ela aparece. Dizem que é uma mulher que namorou um padre e foi amaldiçoada.

Ela cavalga à noite, percorre sete povoados e se encontrar alguém chupa seus olhos, unhas e dedos. Quem encontrar uma deve deitar de bruços no chão e esconder unhas e dentes para não ser atacado.

Diz a lenda que a maldição pode ser quebrada com a chegada de um valente. Se alguém, com muita coragem, tirar os freios de sua boca, o encanto será desfeito e a Mula-sem-cabeça voltará a ser gente.

Em Santa Catarina, para saber se uma mulher é amante do padre, lança-se ao fogo um ovo enrolado em fita com o nome dela, e se o ovo cozer e a fita não queimar, ela é.

Há uma lenda norte-americana, ?O Cavaleiro sem Cabeça?, que lembra muito esta lenda, mas aí quem é amaldiçoado é o padre.

Ficha técnica

Nomes: Burrinha do Padre, Burrinha, Mula Preta, Cavalo-sem-cabeça, Padre-sem-cabeça, Malora (México).

Origem: É um mito que já existia no Brasil colônia.

Uma mulher que causa arrepios à meia-noite

É uma aparição na forma de uma mulher bonita e vestida de vermelho ou branco. Gosta de se aproximar de homens solitários e os convida para ir para casa. Os que aceitam tomam um susto quando chegam ao destino. Parando o carro ao lado de um muro alto, ela então diz ao acompanhante: ?É aqui que eu moro…?. Nesse momento a pessoa se dá conta que está ao lado de um cemitério, perto da meia-noite e, antes que possa dizer alguma coisa, ela desaparece.

Alguns dizem que a moça é uma alma penada que não sabe que já morreu, outros afirmam que é o fantasma de uma jovem assassinada que desde então vaga sem rumo. Para muitos trata-se de uma noiva, que na noite do seu casamento, quando se dirigia à igreja, foi atropelada. Era uma noite de sexta-feira, então nas noites de sexta, ela volta à estrada vestida de noiva e pedindo carona.

Em Curitiba há uma versão conhecida como a Loira Fantasma. As primeiras aparições da loira foram registradas por taxistas no verão de 1975. Diz a lenda que a mulher embarcava nos táxis e sumia misteriosamente quando chegava perto do cemitério. A história foi publicada na Tribuna e virou filme, um curta-metragem com o mesmo nome.

Em São Paulo e Minas, há relatos semelhantes. Lá a mulher veste sempre roupas de duas cores. Branco com preto, vermelho com azul, azul com amarelo.

No México há uma versão chamada La Llorona, que é uma mulher que afogou seus dois filhos e depois se suicidou. Então perambula chorando, ora pelas beiras de rios em busca deles, ora pelas estradas pedindo carona com um bebê no colo. Quando entra no carro, dá para ver que é uma assombração com o rosto de caveira.

Ficha técnica

Nomes comuns: Mulher da Meia-Noite, Moça de Branco, Noiva de Branco, Mulher de Branco, Fantasma da Estrada, Sapatos Vermelhos, Mulher de Duas Cores (Minas e São Paulo), La Llorona (México), Paquita Muñoz (Região dos Andes), La Sayona (Venezuela). também Dama de Vermelho, Dama de Branco.

Origem provável: É um mito conhecido desde a época da colonização espanhola. Existem versões semelhantes na América do Norte e Europa.

Gralha, protetora dos pinheirais

É um pássaro de grande porte, tem uns 39 centímetros de comprimento, vive no sul do Brasil, nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul e também no Paraguai. Mas é no Paraná que sua lenda é famosa.

Aqui, conta-se que é pássaro previdente. Adora pinhão e guarda alguns, enterrados, para comer depois. Mas não tem boa memória e os pinhões esquecidos acabam se transformando em novos pinheiros. Desse jeito ela é capaz de ?plantar? 3.000 pinheiros por hectare.

O curioso é que a gralha-azul tira a cabeça da semente do pinhão, antes de enterrá-la, para evitar que apodreça ao contato com a terra. A extremidade mais fina é colocada para cima, o que favorece o desenvolvimento do broto.

Essa característica fez nascer a lenda de que a gralha-azul é um pássaro criado para proteger os pinheiros. As espingardas dos caçadores, por este motivo, negam fogo, ou explodem sem atirar, quando apontadas para essas aves.

A gralha-azul foi declarada ave símbolo do Paraná pela Lei Estadual número 7.957 de 21 de novembro de 1984.

Ficha técnica

Outros países: A Gralha na Irlanda é apelido dado à Deusa da Guerra.

Ela aparece muitas vezes na forma de corvo.

Origem: a primeira publicação de Lenda da Gralha Azul é de Eurico Branco Ribeiro, no livro A Sombra dos Pinheirais, em 1925.

Chupa-cabras: uma história recente

O chupa-cabras faz parte da história recente, mas é um forte candidato a virar lenda e entrar para o folclore brasileiro. Ele teria aparecido nas zonas rurais de Sumaré, Monte Mor, Capivari e Rafard, municípios vizinhos de Campinas (SP), principalmente em 1997.

Alguns habitantes dessas regiões afirmam que a morte de bois e ovelhas se deve a um animal de hábitos noturnos que ninguém viu, mas que a imaginação atribui ao chupa-cabras. Os jornais da região publicaram a história contada pelos moradores.

?Os casos de chupa-cabras registrados no mundo inteiro têm uma estrutura clássica e muito própria. As marcas deixadas por eles não podem ser confundidas com a de nenhum predador conhecido e a maneira como o ataque é realizado também não tem referência na zoologia e na biologia. Praticamente todo o sangue do animal morto é drenado e as feridas são inconfundíveis – como se tivessem sido feitas por garras longas e afiadas, semelhantes a navalhas. Em alguns casos são retirados, com precisão cirúrgica, órgãos e glândulas. Nestes casos suspeita-se de ação humana?, descreveu o jornalista Paulo San Martin na reportagem ?Chupa-cabras, agora ele se tornou histeria coletiva, edição de 8 de junho de 1997 no jornal A tribuna, de Campinas.

Hipnotizados, pescadores seguem o canto da sereia

Na Europa, Ipupiara era um homem peixe que devorava pescadores e os levava para o fundo do rio. No século XVIII, Ipupiara vira a sedutora sereia Uiara ou apenas Iara. Todo pescador brasileiro, de água doce ou salgada, conta histórias de moços que cederam aos encantos da bela Uiara e terminaram afogados de paixão.

Ela deixa sua casa, no fundo das águas, no fim da tarde. Surge metade mulher, metade peixe.

Quando canta, hipnotiza os pescadores. Um deles foi Ulisses, que se amarrou ao mastro do navio para não se deixar levar. A história grega se repete aqui com o índio Tapuia.

Ele viu Uiara e remou rápido até a margem para se esconder na aldeia. Mas não conseguia esquecer a voz dela. Numa tarde, quase morto de saudade, saiu da aldeia e remou na sua canoa rio abaixo. Uiara já o esperava cantando a música das núpcias. Tapuia se jogou no rio e sumiu num mergulho, carregado pelas mãos da noiva. Uns dizem que foram felizes para sempre. Outros dizem que na semana seguinte a insaciável Uiara voltou para levar outra vítima.

Há ainda outra versão para a lenda, a história de Dinahí, guerreira índia da tribo Manau.

Ela foi capturada e jogada na água, exatamente no encontro dos rios Negro e Solimões. Nessa hora, centenas de peixes vieram em socorro da índia guerreira e sustentaram seu corpo trazendo-o até a superfície. Os raios do luar tocaram a face de Dinahí e a fizeram se tornar uma bela princesa, com cauda de peixe e de cabelos tão escuros quanto as águas do Rio Negro.

Para quem viaja pelos rios da Amazônia, a Iara pode ser um perigo, pois encanta o navegador e puxa os barcos para as pedras.

Ficha técnica

Nomes comuns: Mãe-d?água, Iara, Uiara ou Ipupiara.

Origem: Os cronistas dos séculos XVI e XVII registraram essa história européia que chegou aqui e foi adaptada com versões indígenas. É um dos seres mitológicos mais populares da Amazônia.

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