‘Estou muito surpresa’, diz Müller, premiada com o Nobel

A escritora Herta Müller, alemã nascida na Romênia, afirmou hoje em comunicado, após o anúncio da Academia Sueca de que havia sido premiada com o Prêmio Nobel de Literatura, que estava muito surpresa com o resultado. “Eu estou muito surpresa e ainda não acredito nisso.” De acordo com a academia, responsável pela escolha do vencedor todos os anos desde 1901, “a densidade da poesia e a franqueza da prosa de Müller ilustram o panorama dos despossuídos”. A premiação foi vista também como uma lembrança do fato de o fim do comunismo completar duas décadas neste ano. O Muro de Berlim caiu em 1989.

Müller, de 56 anos, é a décima pessoa de cidadania alemã a vencer o Nobel de Literatura. Ela não figurava entre os autores considerados favoritos para o Nobel deste ano, entre os quais estavam o israelense Amós Oz, a argelina Assia Djebar e a norte-americana Joyce Carol Oates. A decisão deve manter viva a controvérsia em torno do padrão da academia de premiar mais escritores europeus.

O único livro dela traduzido para o português e publicado no Brasil é “O Compromisso” (Editora Globo), lançado originalmente em 1997. Dos mais de dez livros da autora, somente este e mais três foram traduzidos para o inglês. A escritora, que vive em Berlim desde 1987, nasceu em Nitzkydorf, Romênia, em 1953, no seio de uma família da minoria alemã que vive no país do leste europeu.

Seu primeiro livro, Niederungen, uma coletânea de contos, passou quatro anos parado na editora antes que finalmente pudesse ser publicado, em 1982, com cortes impostos pela censura romena. Dois anos mais tarde, lançou Drückender Tango (1984), ainda na Romênia. Nessas duas obras, Herta retrata a corrupção, a intolerância e a opressão dentro de um pequeno povoado de língua alemã. Após a publicação, sofreu críticas da imprensa romena, mas teve uma acolhida muito positiva entre os veículos de comunicação de fala alemã no exterior.

Ao fazer duras críticas à ditadura romena, foi proibida de publicar livros em seu país, por sua postura diante da ditadura de Nicolae Ceausescu e da temida polícia secreta Securitate. Em 1987, mudou-se, junto com o marido, o escritor Richard Wagner, para a Alemanha. A partir daí intensificou sua produção. Os romances “Der Fuchs war damals schon der Jäger” (1992), “Herztier” (1994) e “O Compromisso” (1997), segundo a academia, “proporcionaram, com seus trabalhados detalhes, uma imagem da vida cotidiana sob a ditadura”.

‘Estilo único’

Müller é a terceira europeia a ganhar o Nobel de Literatura na sequência. “Eu acho que há uma força incrível no que ela escreve, tem um estilo muito, muito único”, disse Peter Englund, secretário permanente da Academia Sueca. “Você lê meia página e já sabe que é Herta Müller.”

Englund lembrou ainda o importante conteúdo da obra da autora, refletindo sobre a perseguição aos dissidentes na Romênia, mas também sobre a condição de pertencer a uma minoria e se sentir estranha em seu próprio país. O secretário disse que a premiação não foi dada para coincidir com os 20 anos da queda do Muro de Berlim, mas muitas pessoas do mercado editorial notaram a relação.

“Ao dar o prêmio a Herta Müller, que cresceu em uma minoria falante de alemão na Romênia, (o comitê) reconheceu um autor que se recusa a deixar o lado desumano da vida sob o comunismo ser esquecido, 20 anos após o fim do conflito Leste-Oeste”, avaliou Michael Krueger, o diretor da editora da premiada, a Hanser Verlag.

“É uma escritora muito sincera e escreveu sobre o que aconteceu com ela, e isso é algo que deve ter impressionado os jurados”, disse o ator romeno Ion Caramitru, um anticomunista, hoje diretor do Teatro Nacional da Romênia. “Esse prêmio é um reconhecimento internacional da operação que ocorreu na Romênia e no Leste Europeu.”

Mulheres

Müller é a 12ª mulher a ganhar o Nobel de Literatura. Entre as vencedoras recentes estão a austríaca Elfriede Jelinek, em 2004, e a britânica Doris Lessing, em 2007. É a primeira vez que quatro mulheres ganham um Nobel no mesmo ano. As cientistas Elizabeth Blackburn e Carol Greider estavam entre os premiados em Medicina, enquanto a israelense Ada Yonath foi lembrada no Nobel de Química.