Sentado em uma cadeira na varanda de sua casa, em Northampton, no Estado da Pensilvânia, o aposentado Bill Smith responde de maneira direta sobre o que pensa do processo de impeachment do presidente dos EUA, aberto pelos democratas na Câmara dos Deputados. “Sou eleitor de Donald Trump, qual o problema? A economia está indo bem. Ele comete erros, mas quem não comete?”

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Ao lado de Smith, Val Wagner ajuda na defesa do presidente. “Ele não liga para dinheiro, ele já tem dinheiro. Ele é realmente honesto. O impeachment é uma besteira, uma piada. Parece que os democratas estão no ensino médio”, disse Val, que sempre votou em democratas até conhecer Trump.

Em 2016, dos pouco mais de 3 mil condados americanos, só 209 mudaram de democratas para republicanos. Northampton é um deles. Essa troca foi crucial para que Trump chegasse à Casa Branca. Locais identificados com a classe operária têm média de renda familiar e taxas de educação universitária mais baixas do que a média do país e, após décadas de prosperidade industrial, esse tipo de emprego entrou em extinção – tanto que parte do Meio-Oeste americano, incluindo os Estados de Michigan, Pensilvânia, Ohio, Indiana, Wisconsin e partes de Illinois e Iowa ganhou o termo pejorativo de “Cinturão da Ferrugem”.

O boom econômico foi durante o desenvolvimento das indústrias de aço e carvão. Northampton chegou a abrigar uma siderúrgica, a Bethlehem Steel Corporation, que faliu em 2003. Hoje, os escombros da usina são espaço de eventos e cassino.

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O Cinturão da Ferrugem é um termômetro do apoio de Trump e um teste de sua resistência. O Estado visitou dois dos três condados da Pensilvânia que votaram no republicano após duas vitórias seguidas de Barack Obama, em 2008 e 2012. Nenhum entrevistado que tenha se apresentado como eleitor do presidente acredita que o impeachment será levado adiante.

O condado de Luzerne não votava majoritariamente em um candidato presidencial republicano desde 1988. Agora, a população parece repetir os mesmos lemas defendidos por Trump. Os eleitores criticam a imprensa, atacam a imigração ilegal, dizem que a China rouba os americanos, que a economia melhorou e o impeachment é uma “perseguição” democrata.

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“Desde o dia em que ele foi eleito, os democratas tentam destitui-lo. Nada foi provado”, afirma Chuck Dekmar, dono de uma lanchonete em Luzerne. Registrado como republicano, ele diz votar “com a consciência”, mas nem sempre no mesmo partido.

Um levantamento do Wall Street Journal e da ONG Economic Innovation Group mostra que o crescimento econômico e os novos empregos nestas regiões ficaram atrás da média nacional nos anos em que Trump esteve na presidência, mas a aprovação do republicano segue próxima de 50%. Os dados foram coletados em 77 condados identificados com a classe operária.

O emprego industrial caiu na Pensilvânia – cerca de 8 mil postos foram perdidos, de agosto de 2018 a agosto de 2019, de acordo com o Departamento do Trabalho. Em meio às guerras comerciais de Trump e à desaceleração da demanda, as indústrias seguram investimentos.

Mas, para os eleitores de Trump, a economia vai bem e só não está melhor pela falta de apoio dos democratas. “O impeachment não vai chegar a lugar algum. Ele divulgou a transcrição da conversa, não há nada errado, é tudo bobagem”, disse Mark Yefko, consultor de vendas de Wilkes-Barre.

Gerente de uma cervejaria do outro lado da rua, Lisa Blockus repete o mantra. “Ele não fez nada de errado. Eles não gostam dele porque ele não é político e diz o que as pessoas comuns querem ouvir”, afirma Lisa, ex-eleitora de Obama.

Classe operária

Desde a chegada de Donald Trump ao poder, especialistas dizem que os republicanos se consolidaram como o partido da “América rural” e os democratas da “América urbana”. Por isso, nas eleições de meio de mandato, em 2018, a grande disputa foi pelo voto dos subúrbios escolarizados – onde os democratas conquistaram a maioria da Câmara dos Deputados. No entanto, engana-se quem pensa que a estratégia eleitoral passa longe das localidades rurais onde Trump foi bem votado.

A manutenção do apoio em locais como o nordeste da Pensilvânia será crucial para sua reeleição, explicam especialistas. “A chave para entender 2020 não é tão complexa: a classe operária branca de locais como a Pensilvânia comparecerá às urnas na mesma quantidade que compareceu em 2016? É essa a questão essencial. A única forma de Trump se reeleger é se tiver um comparecimento em massa desse grupo em lugares como a Pensilvânia”, afirma Terry Madonna, diretor do Centro de Política e Assuntos Públicos da Franklin & Marshall College.

Segundo ele, Trump ganhou regiões como Northampton e Luzerne dizendo que os democratas desistiram da classe operária e prometeu empregos, com o fim do Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (Nafta) e da Parceria Trans-Pacífico (TPP). “Hillary Clinton não prestou atenção à América operária. E Trump se apresentou como o ‘antiestablishment’. Esses trabalhadores brancos acreditaram que foram abandonados pelos democratas e Trump chega com uma agenda com a qual eles se identificam. Ele ganhou a presidência porque ganhou a classe operária de Pensilvânia, Michigan e Wisconsin”, afirma Terry Madonna.

Autor de um livro sobre como a região de Luzerne deixou de votar em democratas para eleger Trump, em 2016, o jornalista Ben Bradlee Jr. afirma que a população local foi ignorada pelos democratas. “Eles foram cativados por Trump, que falou com eles de um jeito que Hillary não fez. E houve a questão da imigração, que é uma grande marca da campanha eleitoral. Essas pessoas cresceram em uma comunidade predominantemente branca e, de repente, olham à volta e começam a ver pessoas diferentes”, afirma o jornalista, que escreveu The Forgotten: How the Abandoned People of One Pennsylvania County Elected Donald Trump and Changed America (Os esquecidos: como o abandonado povo de um condado da Pensilvânia elegeu Donald Trump e mudou os EUA, em tradução livre).

“Fiquei chocado com a vitória de Trump e tentei achar uma forma diferente de contar essa história. Fui a Luzerne, que era tradicionalmente uma região democrata, e foi na direção oposta. É uma janela para explicar como um candidato tão atípico como Trump se elegeu”, afirma Bradlee.

Eleitores da parte rural dos EUA são conservadores nas questões sociais – com uma plataforma que se assemelha mais à dos republicanos. A questão-chave, no entanto, foi a economia e as promessas de empregos. “Nas pesquisas nacionais, os eleitores de Trump continuam a apoiá-lo. A economia está melhor. Não significa que as indústrias de ferro, aço e carvão reapareceram nessas regiões. Mas vemos que a classe operária ainda está com Trump”, afirma Madonna.

A enfermeira Rosemary Hagemenes fez o caminho contrário: votou em republicanos, mas agora se define como democrata. “Mudei porque Trump era o candidato”, diz Rosemary, que pretende votar na senadora Elizabeth Warren para presidente. As amigas Shannon Kistner e Latoya Mcmurray também gostariam de ver o processo de impeachment andando mais rápido, mas são céticas. Para o ano que vem, pensam em votar em Bernie Sanders. A primeira nasceu no Texas e a segunda, em New Jersey. Moradoras da região de Wilkes-Barre, dizem que os trabalhadores da região votaram na proposta de “fazer a América Grande de novo”, vendida por Trump. Não é o caso delas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.