Ebla e o período patriarcal

ARQUEOLOGIA DO ORIENTE MÉDIO

Eugene J. Fisher, da Universidade de Nova York, que ocupou o cargo de secretário executivo do Secretariat of Catholic Jewish Relation of the National Conference of Catholic Bishops (Secretariado das Relações Católico-Judaicas da Conferência Nacional dos Bispos Católicos), em seu artigo sobre Ebla e a Bíblia, compara os grandes descobrimentos arqueológicos da década de 1920 com a penicilina, que veio “mais por acidente do que por tentativa científica”. Mas, acrescenta que tal fato não pode se aplicar ao descobrimento do antigo império de Ebla.


Deve-se convir, de fato, que o descobrimento, na década dos anos 60, do antigo império de Ebla, localizado no território da Síria, foi resultado de cuidadoso planejamento e grande esforço despendido pelo então jovem arqueólogo italiano Paolo Matthiae.

Tell Mardikh é o nome moderno da colina que foi escolhida por Matthiae para dar início às escavações, depois de cuidadoso estudo e análise do lugar. Tell Mardikh é um tell, ou seja, uma colina artificial, situada a 55 quilômetros a sudoeste da cidade de Alepo, e quase junto à estrada principal para Damasco, no território da Síria. Sua superfície é de 56 hectares, os quais, segundo Fisher, indicam a existência de uma grande cidade encoberta.


As escavações começaram em 1964 e foram conduzidas regularmente em períodos anuais de seis semanas, nos primeiros anos, e de dois a três meses, nos anos subseqüentes. Muito cedo o arqueólogo descobriu fragmentos de cerâmica, vestígios de habitações e, finalmente, nas sucessivas escavações, foi descoberto o monumental templo e outras fortificações.

Ebla

Em 1968, foi achado o fragmento de um enorme busto de uma estátua de basalto com uma inscrição em cuneiforme acadiano. Um ano mais tarde, o professor Giovanni Pettinato, especialista em línguas neo-sumerianas, da Universidade de Heidelberg (Alemanha), na ocasião se encontrava em Roma passando umas férias, entrevistou-se com Paolo Matthiae, que lhe apresentou algumas fotografias do busto com a inscrição em acadiano. Cinco dias depois, Pettinato expôs a tradução de toda a inscrição da estátua de basalto. No texto aparecia claramente, por duas vezes, a palavra Ebla; a primeira como adjetivo, e a segunda, como nome de cidade.


Paolo Matthiae expressou seu entusiasmo nomeando Pettinato como epígrafe, ou seja, tradutor oficial dos documentos de Ebla. As escavações continuaram pela década de 1970, quando foram descobertos o grande templo da Acrópole, o palácio real, os muros da cidade e vários monumentos individuais. Porém, o descobrimento mais importante das ruínas de Ebla foi a coleção de tabuinhas com escrita cuneiforme dos arquivos do palácio real. Em 1974, foram encontradas 42 tabuinhas; em 1975, escavando no complexo desse palácio, foram achadas primeiramente em torno de mil tabuinhas e, posteriormente, outras 15 mil. Uma verdadeira fonte de documentos da história de Ebla.


As primeiras traduções daquelas lajotas de cerâmica foram circundadas de entusiasmo e esperança entre os eruditos bíblicos, uma vez que Pettinato achara muitas palavras semelhantes entre o cuneiforme de Ebla e o hebraico bíblico.


Cronologicamente, a história de Ebla acha-se localizada na segunda metade do III milênio a.C. Embora faltando uma definição mais geral entre os estudiosos, é amplamente aceito, na história de Ebla, dois períodos de florescimento; o primeiro entre 2400 e 2250 a.C., e um período de características semelhantes em torno do ano de 1850 a.C., este último, precisamente durante o período patriarcal.


A importância dos documentos de Ebla, principalmente para o estudo da Bíblia e da arqueologia bíblica, reside no período do seu apogeu. Como já afirmamos, coincide com o período patriarcal. É muito sentido pelos estudiosos da Bíblia o vazio existente na história bíblica entre o evento da Torre de Babel e o período de Abraão. A Bíblia preenche esse espaço com uma cronologia dos patriarcas, sem relacionar algum evento relativo aos antecessores do povo judeu. O período de Abraão, conhecido como época patriarcal, localiza-se, segundo a chamada “longa cronologia”, na primeira metade do II milênio a.C. Por esse fato, podemos afirmar que os primeiros patriarcas, antecessores de Abraão, viveram na segunda metade do III milênio a.C., exatamente durante o primeiro apogeu do império de Ebla. Dessa maneira, é esperança acalentada por muitos eruditos, que as tabuinhas de Ebla possam contribuir dando maior revelação sobre a historicidade da época patriarcal e esclarecer mais ainda o Velho Testamento.

Paralelismo


Existem várias áreas de estudo onde se adverte certa semelhança ou paralelismo entre o antigo império de Ebla e o período patriarcal. O primeiro paralelismo é encontrado na área filológica, ou seja, no estudo da língua de Ebla e o hebraico bíblico. Ambas as línguas são classificadas dentro do ramo norte-ocidental da família de línguas semíticas. O erudito filologista, Mitchell Dahood, que estudou com Pettinato a língua eblaíta, apresentou um trabalho no Convegno Internazionale sul la Lingua di Ebla, realizado em Nápoles, em abril de 1980, quando destaca cinco critérios básicos para identificar a língua eblaíta com o hebraico bíblico.


Por sua parte, Giovanni Pettinato achou sete similaridades de uso entra as duas línguas, as quais podem ser assim resumidas:

1) YA é a deidade em Ebla que alterna com IL em nomes pessoais. Como resultado desta alternância, YA pode ser um vocábulo ou uma forma abreviada correspondente a YAHWEH da Bíblia, sendo que IL encontra seu relativo no vocábulo bíblico, EL (Deus);

2) a entronização real em Ebla é caracterizada pelo ungimento do rei em forma semelhante ao ungimento dos reis no Velho Testamento;

3) o termo “juízes” em textos eblaítas é sinônimo de governador, comparável aos governadores do Velho Testamento;

4) o hino ao Criador na introdução mitológica de Ebla é semelhante à história da Criação registrada em Gênesis 1;

5) os registros de Ebla contém o nome das cinco cidades da planície, semelhante à relação existente em Gênesis 14;

6) o contexto histórico e a estrutura sociopolítica de Ebla é semelhante às condições atribuídas aos patriarcas bíblicos;

7) os documentos de Ebla apresentam nomes como Ab-ra-um, A-da-um, Is-ma-il, Is-ra-il, Mi-ga-il, Sa-u-lum, etc., os quais evidenciam a presença de grupos semitas na Síria do III milênio a.C.


Outro paralelismo encontrado entre Ebla e o período patriarcal é relativo ao uso do calendário. Através da tradução e interpretação de vários textos de caráter econômico e administrativo entre os documentos de Ebla, Pettinato foi capaz de reconstruir o calendário usado no antigo império de Ebla (na realidade são dois).

Calendários


Um exaustivo estudo sobre esses calendários, baseado nas interpretações de Pettinato, foi realizado pelo doutor William Shea, professor de Antigo Testamento no Seminário Teológico da Universidade Andrews, em Michigan. Segundo Shea, os dois calendários (antigo e novo) usados em Ebla, são compostos de 12 meses com uma subdivisão no décimo mês, o qual é chamado de intercalar. Para determinar a melhor tradução dos nomes dos meses nos calendários de Ebla, Shea fez uma correlação filológica com as raízes hebraicas. Essa correlação é assombrosa e, uma vez mais, mostra a estreita ligação existente entre as duas línguas, eblaíta e hebraica, e entre os povos que as usaram.


Os nomes dos meses do antigo calendário de Ebla se referem a variações de tempo, segundo o ciclo natural que afeta especialmente a agricultura, o qual é também observado nas atividades agrícolas da Palestina dos tempos bíblicos. O novo calendário apresenta nomes de deuses que operam sobre os fenômenos da natureza e, por conseqüência, sobre a agricultura. Porém, o ponto mais relevante neste descobrimento é o ciclo de sete anos no calendário de Ebla, com características semelhantes ao Ano Sabático e ao Jubileu dos tempos bíblicos.


Se as próximas interpretações dos textos de Ebla confirmarem essas semelhanças, a seguinte sugestão a ser corroborada seria a influência religiosa dos patriarcas na vida dos habitantes de Ebla, pois o sábado e a semana de sete dias, no mundo antigo, são primordialmente de procedência hebraica. Foi Ebla conhecida pelos patriarcas hebreus? A resposta talvez ainda não se possa definir, no entanto há muitas evidências para responder positivamente essa questão.

Ruben Aguilar

, Ph.D, é professor de Arqueologia no Seminário Adventista de Teologia, no Unasp, Campus Engenheiro Coelho, SP.

Editor desta sessão:

Ruben Dargã Holdorf

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