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Cantor desaparece às vésperas dos 30 anos do massacre da Praça da Paz Celestial

Já se passaram três meses desde que o músico chinês Li Zhi desapareceu da vista do público. Primeiro, uma turnê foi cancelada e suas contas em redes sociais foram desativadas. Então, suas músicas foram removidas de todos os principais sites de streaming da China -como se sua carreira nunca tivesse existido.

Li é um artista que toca folk rock. Ele cantava canções sobre problemas sociais e, ao contrário da maioria dos artistas na China, ousou abordar o tema tabu dos protestos pró-democracia da Praça da Paz Celestial que terminaram em derramamento de sangue em 4 de junho de 1989.

“Agora esta praça é o meu túmulo”, cantou Li. “Tudo é apenas um sonho”.

O Partido Comunista da China empurrou pessoas como Li para as sombras enquanto se preparava para o 30º aniversário da repressão militar. Estima-se que centenas, senão milhares, tenham morrido na noite de 3 de junho e nas primeiras horas de 4 de junho.

O esforço do partido para limpar qualquer menção ao movimento tem sido consistente desde então. Este ano, a guerra comercial com os Estados Unidos aumentou o nervosismo do governo chinês em relação à instabilidade.

“Eles certamente estão nervosos”, disse Jean-Pierre Cabestan, professor de ciência política na Universidade Batista de Hong Kong. “Sob o [presidente] Xi Jinping, nenhuma pedra será deixada de lado”.

Muitas das ações parecem destinadas a eliminar qualquer risco de os indivíduos falarem, por menores que sejam suas plataformas. Bilibili, um site de streaming de vídeo chinês, anunciou na semana passada que seu popular recurso de comentários em tempo real será desativado até 6 de junho para “atualizações do sistema”.

Defensores dos Direitos Humanos chineses disseram que ao menos 13 pessoas foram detidas ou tiradas de suas casas em conexão com o aniversário. Entre eles estão vários artistas que recentemente embarcaram em uma “turnê nacional de exibição de consciência” e um cineasta que foi detido depois de twittar imagens de uma garrafa de licor comemorando o dia 4 de junho.

O rótulo da garrafa apresentava um jogo de palavras usando o baijiu, álcool de cereais, e as palavras chinesas para 89, ou bajiu. Um tribunal condenou quatro pessoas envolvidas no projeto da garrafa em abril.

Fãs buscam respostas sobre desaparecimento

O desaparecimento de Li deixou os fãs em busca de respostas. Em 20 de fevereiro, a conta oficial da rede social Weibo para a turnê de 40 anos postou uma foto de sua equipe na frente de um caminhão prestes a embarcar em apresentações programadas na província de Sichuan, no sudoeste da China.

Apenas dois dias depois, no entanto, a conta postou uma imagem de uma mão usando o que parecia ser uma pulseira de hospital e a frase: “Sinto muito”. O próximo post, publicado no mesmo dia, anunciou sem explicação que a turnê foi cancelada, e que os compradores de ingressos seriam reembolsados. Os fãs de Li inundaram a seção de comentários com desejos de uma rápida recuperação.

Mas a sugestão de que uma questão de saúde estava por trás dos cancelamentos foi colocada em dúvida. Um comunicado publicado em abril pelo departamento de cultura de Sichuan disse que “interrompeu urgentemente” os planos de concerto de um “conhecido cantor com conduta imprópria”, que estava previamente previsto para 23 apresentações -o mesmo número de shows agendados por Li na província. Ele disse que 18 mil ingressos foram totalmente reembolsados.

As autoridades na China usam regularmente “conduta imprópria” para descrever transgressões políticas. Na mesma época, a presença de Li na internet chinesa foi completamente apagada. Uma diretriz do governo central de 21 de abril ordenou que todos os sites apagassem qualquer conteúdo de áudio ou vídeo relacionado a cinco músicas de Li, de acordo com o China Digital Times, uma organização que publica instruções de censura vazadas.

A autenticidade da diretiva não pôde ser verificada independentemente. “Há praticamente um consenso entre os que trabalham na indústria de que o desaparecimento de Li da opinião pública deve-se ao aniversário do massacre”, disse um profissional da indústria da música que falou sob condição de anonimato por causa do medo do governo.

“Ele fez várias músicas consideradas politicamente arriscadas, fazendo referências a 4 de junho de 1989, e por isso está fora de cena”, disse o profissional do setor. O paradeiro atual de Li não pôde ser confirmado. Sua empresa e gravadora não responderam a pedidos repetidos de entrevista.

As canções de Li alusivas aos protestos da Praça da Paz Celestial -The Square, The Spring of 1990 e The Goddess, em homenagem à Deusa da Democracia que os estudantes construíram- faziam parte de seus trabalhos anteriores. Nos últimos anos, o cantor evitou fazer declarações políticas públicas, concentrando-se mais em promover suas performances.

Em 2015, o jornal estatal China Daily publicou um perfil de Li, descrevendo-o como um artista que vende facilmente concertos. Depois de anos trabalhando como artista independente, ele assinou contrato com a Taihe Music Group, uma grande gravadora chinesa.

Os fãs que conheciam Li como um artista amplamente apolítico expressaram perplexidade on-line sobre seu desaparecimento. Outros fizeram referências veladas à censura chinesa na internet.

Em Zhihu, um site de perguntas e respostas semelhante ao Quora, um usuário escreveu que as pessoas faziam perguntas diariamente sobre o que poderia ter acontecido com Li, mas esses posts sempre desapareciam na manhã seguinte “como se nada tivesse acontecido”. Outro usuário disse: “Não ouso dizer isso, nem me atrevo a perguntar”.

Um fã que compartilhava a música de Li em sua conta pessoal falou sob condição de anonimato porque temia que seus empregadores o punissem por discutir o assunto. “Todo mundo sabe o motivo do desaparecimento de Li Zhi”, disse o fã. “Mas me desculpe, eu não posso te dizer, porque eu sigo as leis da China e também espero que Li Zhi possa retornar.” Citando uma das letras de Li, o fã acrescentou: “O mundo vai ficar bem”.

Os fãs continuam a circular vídeos online das apresentações de Li. Sua discografia completa foi carregada em sites de compartilhamento de arquivos, com links de back-up, caso os originais sejam eliminados. Alguns usuários compartilharam uma arte de tributo, incluindo uma camiseta preta com as palavras “conduta imprópria”.

Alguns anos atrás, em uma apresentação em Taiwan, Li pulou no palco, dedilhando seu violão e repetindo um coro em aparente homenagem ao espírito da propaganda chinesa. “As pessoas não precisam de liberdade”, ele cantou energicamente. “Esta é a melhor época!”, A multidão gritou de volta. “As pessoas não precisam de liberdade. Esta é a melhor época!”.

Empresas estrangeiras não estão imunes

A Apple Music retirou do serviço chinês de streaming uma música da cantora de Hong Kong Jacky Cheung Hok-yau que faz referência à repressão de Tiananmen. Tat Ming Pair, um duo de Hong Kong, foi totalmente excluído do aplicativo. Eles lançaram uma música neste mês chamada Remembering is a Crime em memória dos protestos.

A Wikipedia também anunciou este mês que o serviço não está mais acessível na China. Embora a versão em chinês tenha sido bloqueada desde 2015, a maioria das outras línguas pode ser vista anteriormente, segundo a Wikipedia.

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