Apoio à Escócia independente cresce; Londres reage

O governo britânico prometeu conceder mais autonomia à Escócia em áreas como impostos, gastos públicos e políticas de bem-estar social, caso os escoceses votem por permanecer no Reino Unido no plebiscito do dia 18. As promessas foram feitas depois de pesquisas de opinião divulgadas no fim de semana indicarem um aumento no apoio à independência da Escócia, que é governada desde Londres desde o começo do século 18.

Pesquisa divulgada na noite de sábado mostra a proposta de independência na liderança pela primeira vez desde que a campanha começou. A mudança de sentimento do eleitorado, a duas semanas do plebiscito, faz crescer a probabilidade de uma separação que alguns consideravam impensável há poucas semanas. Ao mesmo tempo, aqueles contrários à separação têm colocado em destaque uma série de dificuldades que surgiriam, como a da moeda, a da regulamentação bancária e a da presença de tropas britânicas.

“Está claro que a Escócia quer mais controle sobre as decisões que afetam a Escócia”, disse no domingo o ministro britânico das Finanças, George Osborne. “Veremos nos próximos dias um plano de ação para dar mais poderes à Escócia”, acrescentou.

Osborne afirmou que essa nova autonomia entrará em vigor no momento em que os escoceses votarem “não” à independência. “O relógio estará correndo para a entrega desses poderes, e então a Escócia está no melhor de dois mundos”, disse o ministro.

O primeiro-ministro da Escócia, Alex Salmond, descartou a oferta de Osborne, dizendo que ela é apenas um sinal de pânico dos que defendem a continuidade da subordinação da Escócia. “o impulso sem dúvida está decididamente com a campanha do ‘sim'”, disse Salmond em entrevista à BBC. Os dois campos se dividem no movimento Yes Scotland (Sim Escócia), pró-independência, e Better Together (Melhor Juntos), pela manutenção do status quo.

A pesquisa do instituto YouGov, feita entre 1.084 eleitores escoceses entre os dias 2 e 5 de setembro, indica que 47% dos entrevistados votariam “sim” à independência”, enquanto 45% votariam “não”. Os demais se disseram indecisos ou afirmaram que não votarão. Excluídos os não votantes e os indecisos, 51% disseram que apoiarão a independência e 49% disseram que votarão “não”.

“Uma diferença de apenas dois pontos porcentuais é pequena demais para anteciparmos o resultado. Mas o fato de a disputa estar equilibrada demais para uma previsão é, em si mesmo, admirável, porque parecia que o Better Together tinha a vitória assegurada”, disse o presidente do YouGov, Peter Kellner.

A pesquisa atribuiu o crescimento do apoio ao Yes Scotland ao esforço de Salmond para acalmar os temores de que a independência seria arriscada demais para a economia escocesa. O primeiro-ministro britânico, David Cameron, e seus ministros, entre eles Osborne, vêm fazendo uma série de ameaças e previsões de catástrofe para a Escócia no caso de o “sim” vencer, entre elas a de que os escoceses não poderão mais usar a libra como moeda e não terão mais a segurança garantida pelas Forças Armadas britânicas. O avanço do “sim” aparentemente fez o governo britânico passar das ameaças às promessas de maior autonomia.

Segundo o YouGov, a campanha pela independência é vista como mais energética e mais otimista, mobilizando eleitores jovens e trabalhadores, enquanto a campanha pelo “não” é vista como mais negativa e mais apoiada no medo do que uma mudança poderá trazer.

A notícia do avanço do Yes Scotland foi manchete de todos os jornais de Londres neste domingo, e provocou preocupação entre alguns moradores da capital britânica. “Estamos todos na mesma ilha, somos parte do mesmo país, de modo que não vejo por que eles sentem a necessidade de uma separação. Deveríamos nos manter juntos”, disse Brian Alsopp, de 45 anos, morador da zona norte de Londres.

O país, chamado Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, é formado pela ilha da Grã-Bretanha, que inclui Inglaterra, Escócia e Gales, e a Irlanda do Norte, parte da ilha da Irlanda que Londres conseguiu evitar, pela força das armas, que se tornasse independente. Embora longe do vigor do antigo Império, o país ainda mantém outras colônias, como o território de Gibraltar, no sul da Espanha, e as ilhas Malvinas, na costa da Argentina, além de alguns paraísos fiscais no Caribe.

Em seu esforço para evitar uma separação, o governo britânico e outras forças políticas estão intensificando a campanha pelo “não”. O primeiro-ministro Cameron, do Partido Conservador, deverá discursar na Escócia no começo desta semana; Ed Miliband, líder do Partido Trabalhista, de oposição, e Gordon Brown, ex-primeiro-ministro britânico, também deverão ir à Escócia nesta semana. O ex-vice-primeiro-ministro John Prescott vai percorrer a Escócia no “Battle Bus”, um ônibus vermelho com as palavras “Vote Não” pintadas.

O Partido Nacionalista Escocês propôs o plebiscito sobre a independência ao chegar ao poder, em 2011, depois de passar muitos anos como uma agremiação menor. No semiautônomo Parlamento escocês, em Edimburgo, os ministros já controlam os gastos públicos e as políticas em algumas áreas, como saúde, transportes e educação, mas têm poderes limitados para arrecadar impostos. O Parlamento britânico, em Westminster (Londres), determina as políticas externa e de defesa para o Reino Unido como um todo, e retém controle sobre a maior parte da arrecadação – inclusive sobre os impostos relacionados ao setor de petróleo, explorado na costa escocesa voltada para o Mar do Norte. Gastos com programas de bem-estar social também são controlados desde Londres.

Os escoceses pró-independência veem o governo em Londres como arrogante e surdo às reivindicações do lado norte da ilha. Para eles, a independência representaria a promessa de que impostos arrecadados na Escócia serão investidos em benefício da própria Escócia, por exemplo em uma rede de segurança social melhor para os mais pobres.

Politicamente, um voto pela independência seria um desastre para Cameron e para o Partido Conservador. Ao mesmo tempo, o Partido Trabalhista britânico depende muito do voto escocês; sem essa base de apoio, os trabalhistas (que tiveram um escocês, Gordon Brown, como o último primeiro-ministro do partido) teriam dificuldades para vencer eleições.

Caso os escoceses votem pela separação, uma das maiores incertezas serial a moeda que o país independente usaria. O Partido Nacionalista Escocês diz que a Escócia continuaria a usar a libra, mas todos os três maiores partidos em Londres são contra, assim como o Ministério das Finanças britânico, son o argumento de que isso poderia expor os contribuintes britânicos a riscos financeiros trazidos por um país que não controlam.

Outras dúvidas seriam sobre a participação da Escócia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan, a aliança militar liderada pelos EUA), que tem bases em território escocês, assim como as Forças Armadas britânicas – o que inclui bases de submarinos com mísseis nucleares. Também haveria dúvidas sobre o status da Escócia como membro da União Europeia.

A independência poderia levar alguns investidores a retirarem dinheiro de bancos escoceses, o que desestabilizaria o sistema financeiro no curto prazo.Haveria dúvidas sobre se os bancos escoceses permaneceriam sob regulamentação britânica. No domingo, o economista-chefe da gestora de ativos Berenberg, Rob Wood, disse em nota a seus clientes que a separação poderia levar empresas do setor financeiro a transferirem seus negócios da Escócia para a Inglaterra.

O executivo-chefe da anglo-holandesa Shell, do setor de petróleo, manifestou preocupação com as implicações de uma Escócia independente. Outros empresários disseram que a separação traria incertezas sobre as regulamentações de impostos e comércio.

Salmond diz que a independência permitiria à Escócia capitalizar sua riqueza em petróleo e melhorar seu sistema de bem-estar social e saúde, além de aumentar as oportunidades de emprego. Mais de 80% das reservas britânicas de petróleo estão em águas escocesas. No caso de um voto pelo “sim”, a maneira de partilhar essa riqueza seria objeto de negociações entre dois países soberanos.

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