Apesar do comunicado conjunto dos governos da China e do Brasil sobre a reforma do Conselho de Segurança (CS) da Organização das Nações Unidas (ONU), durante visita recente da presidente Dilma Rousseff ao país asiático, e do apoio de Pequim à aspiração brasileira por uma cadeira permanente no organismo, ainda faltam sinais efetivos do empenho de Pequim em favor de Brasília.

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A opinião é do coordenador do Centro de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro, Matias Spektor. “A China agora usou uma linguagem mais forte do que no passado e isso é uma vitória da diplomacia brasileira. Mas a principal questão em jogo não é o apoio aos países individuas que pleiteiam assentos permanentes, e sim a própria reforma. Nessa área, ainda faltam sinais de efetivo empenho chinês”, declarou Spektor em entrevista à Agência Estado.

Segundo ele, um CS mais representativo seria menos suscetível a acusações de que representa a opinião de uma restrita parcela dos países do mundo, em particular das nações ocidentais mais desenvolvidas. “Um CS reformado teria um ‘arsenal de ideias’ mais amplo e aumentaria o leque de recursos à disposição da ONU”, avalia.

Ao mesmo tempo, para o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP), Rafael Duarte Villa, a não incorporação de países emergentes como o Brasil só contribui para aprofundar a crise de legitimidade do CS, diferentemente de instituições que integram o próprio sistema multilateral ONU – sejam elas sociais, humanitárias, de saúde ou de fomento – que não são questionadas e são bem vistas pela comunidade internacional.

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Eficiência

Alguns países, ao usarem argumentos diplomáticos para barrar a democratização do CS da ONU, alegam temores de que o organismo venha a se tornar menos eficiente. O CS da ONU é composto por 15 países, cinco dos quais são membros permanentes (Estados Unidos, China, Reino Unido, França e Rússia). As outras dez vagas no Conselho são rotativas e limitadas por mandatos de dois anos.

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Spektor observa que o objetivo do CS da ONU é ser eficaz na manutenção da paz e da segurança internacional. Para ele, a eficiência pode ser mensurada em termos de quantas resoluções produz e a velocidade é importante, mas uma questão secundária. “Nos anos imediatamente após a reforma, o CS teria de encontrar um novo equilíbrio político, acostumar-se aos novos interesses e às novas vozes”, preconiza.

O governo brasileiro também encontra resistência, embora pequena, internamente, avalia Aldo Fornazieri, coordenador do curso de Política e Relações Internacionais e Diretor Acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). “Setores ligados à oposição são refratários ou omissos à reivindicação. Entendo que esta é uma questão de interesse do Estado brasileiro. Nesse sentido, todos os setores políticos deveriam se unir em torno da tese, demonstrando uma unidade do país perante o mundo”, defende ele.

Conforme Fornazieri, além do Brasil, é conveniente que a Índia, a África do Sul e também um país muçulmano obtenham cadeira permanente no CS da ONU. Na opinião de Fornazieri, essa nova composição do Conselho tenderia a tornar o mundo um lugar mais seguro e pacífico, “pois a representação de quem decide, de fato, em termos de segurança, seria mais ampla e representativa da atual circunstância histórica”.

O estabelecimento do CS da ONU remonta à segunda metade década de 1940, após o final da Segunda Guerra Mundial (1939-45), em que a então União Soviética e Estados Unidos, as potências vitoriosas do conflito, rivalizavam pela supremacia global.

Fornazieri também descarta o uso, pelas potências, de alguma questão interna brasileira, como a não investigação de crimes contra os direitos humanos cometidos durante a ditadura militar, como motivo para barrar a adesão ao assento permanente. “Não há nada internamente que desabone a reivindicação legítima do Brasil”, disse, observando que os outros membros também têm seus problemas internos e nem por isso deixam de ocupar espaços legítimos de representação no órgão.

Influência

No livro “Campanha Permanente – O Brasil e a reforma do Conselho de Segurança da ONU”, lançado recentemente pela editora da FGV, o diplomata João Augusto Costa Vargas, que atua na Missão Permanente do Brasil junto às Nações Unidas, explica que entender a campanha pela reforma como uma de várias vias trilhadas pela política externa brasileira com vista a um objetivo maior – ou seja, a capacidade de influir na ordem mundial – permite enxergar outros aspectos da política externa sob nova ótica.

Nesse sentido, continua ele, decisões como a participação na missão de paz no Haiti não seriam, nessa visão, subordinadas ao pleito por um assento permanente, mas coordenadas com ele, para alcançar um objetivo considerado maior pelo Itamaraty.

“Outras iniciativas, como a tentativa de se ampliar o G-8 ou de consolidar o G-20, o adensamento das relações Sul-Sul, o maior protagonismo nas negociações comerciais e até, em parte, os projetos de integração regional, se encaixam na mesma categoria do pleito pelo assento permanente – ainda que nem sempre sejam tão visíveis (ou controversos) quanto ele”, analisa Vargas.