A doença social que padecemos (I)

Tão amplo este tema, que se faz necessária uma justificativa: As artes, incluída a música, são tanto mais expressivas quanto admiradas e apreciadas, com entusiasmo, por pessoas simples, que delas pouco ou nada entendem.

No contexto social, as ciências em geral são alvos da apreciação e avaliação de pessoas integrantes de todas as camadas sociais. Vale dizer de todos os níveis de cultura e de instrução.

A afirmação de que ?Guerra é muito séria para ser de responsabilidade restrita a generais?, aplica-se, evidentemente, a todas as atividades humanas. A Medicina, por exemplo, é tão séria, tão abrangente, que não pode estar restrita aos médicos. Alias, na área da saúde, são múltiplas as profissões responsáveis: enfermagem, fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia, nutrição, odontologia, medicina alternativa, etc.

Por que estas primeiras considerações?

Porque é o início de uma série de comentários de natureza diversa: alguns privilégios de verdadeiras castas, que se colocam acima do bem e do mal. Consideram-se invulneráveis, convencidas de uma sapiência absolutamente inacessível aos pobres mortais. Outros, de livre acesso, mais ou menos inteligível a todo ser humano.

Em primeiro lugar, é indispensável, imprescindível até, considerar que todo ser humano vem à luz neste mundo, absolutamente igual a todos os semelhantes, independente de nível social, econômico-financeiro, cultural, religioso, etc, da família de que procede. Todo ser humano nasce igualmente filho (a) de Deus, com alguns predicados imutáveis, dentre os quais destaca-se a liberdade, que lhe assegura viver e caminhar segundo a própria vontade; direito à nutrição, à educação, à instrução, etc., tudo quanto corresponde à dignidade humana.

Tudo muito bom e belo! No entanto, diferenças, especialmente as de ordem econômica, condicionam chocante paradoxo. Ponderável número de famílias dispõe de recursos em excesso, enquanto que a parcela mais numerosa nem sempre tem o necessário; e a terceira parcela também muito numerosa, não tem o necessário para alimentação e todas as suas necessidades de seres humanos.

Por que isto acontece, num país como o Brasil, dotado de imensas riquezas, além de ter tido o privilégio da preservação de fenômenos sísmicos: vulcões, terremotos, etc. tão freqüentes em outros países?

Simplesmente porque falta solidariedade humana, espírito fraterno, agravados com a progressiva relegação do civismo. Um desejo incontido para alcançar e dominar aquilo que valoriza: bens materiais, poder, glória, posição social de destaque. A aspiração, o ardente desejo de alcançar objetivos de ordem superior, nobres, em benefício da coletividade, é edificante, portanto oposto à ambição.

A ambição deletéria que anseia a conquistar tudo para si conduz ao exclusivismo, grave defeito que é o egoísmo: tudo para si, com desprezo e desconsideração aos direitos alheios.

O egoísta é tão interesseiro, que o admirável pensador Blaise Pascal sentenciou: ?Se os egoístas soubessem os benefícios de fazer o bem, fariam o bem por egoísmo?.

Sempre existiram, existem e existirão ricos e pobres. Quem tem talento, criatividade, empreendedorismo e oportunidade é capaz e tem o direito de acumular fortuna. Mas não pode tornar-se escravo da fortuna. Ao contrário, deve fazer bom uso dela, administrando-a com sabedoria e equilíbrio, de tal maneira a transformá-la em potencial para o bem comum. Cultiva o edificante conceito de que ?ninguém pode ser feliz rodeado de infelizes?. Com esta convicção, propiciará oportunidades de empregos que assegurem sustento e existência digna aos trabalhadores.

A pobreza não é problema quando a dignidade humana é assegurada. A convivência de ricos e pobres é perfeitamente viável, mediante o trabalho honesto dos empregados e a remuneração justa praticada pelo empregador.

O destacado presidente Lincoln, dos Estados Unidos da América, advertiu que ?Não é destruindo os ricos, que se promove os pobres?.

Ninguém mais do que Cristo exaltou os pobres e os humildes, como o fez ao iniciar o primoroso Sermão da Montanha: ?Bem aventurados vós os pobres, porque vosso é o Reino de Deus? (Mateus 5, 2; Lucas 7, 20). Em outra ocasião afirma: ?Sempre tereis pobres entre vós? (Marcos 14.7).

Bem diversa da pobreza é a miséria. Esta caracteriza-se pela insuficiência, ausência mesmo, dos meios necessários, o próprio alimento, tudo condicionando verdadeira humilhação, marginalizando famílias inteiras, subjugando-as, abaixo da dignidade de filhos de Deus, até mesmo inferiores aos animais.

Ora, se todos são filhos de Deus, por que Deus que tudo pode não supre as necessidades de todos os seus filhos?

A resposta a essa profanadora interrogação é simples: tudo quanto existe é dádiva Divina. As exuberantes riquezas naturais foram concebidas por Ele que as criou para uso de todos. Quem, pois, se locupleta, em detrimento dos irmãos, é ladrão. O seu supérfluo acabará por fazê-lo infeliz, porque ?Ninguém constrói a felicidade com a lágrima alheia!?.

Então existe solução para a miséria?

Certamente! E a chave está no Cristianismo. As Igrejas Cristãs ?têm nas mãos a faca e o queijo?. Elas sabem e anunciam o que ensinou Jesus, mediante as misericórdias que constam no Evangelho descrito por São Mateus: ?Vinde, benditos de Meu Pai, recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo, porque Eu tive fome e sede e Me destes de comer e de beber; era peregrino e Me recolhestes; estava nu e Me vestistes; estive doente e Me visitastes…? Então os justos responderão: ?Senhor, quando foi que Te vimos com fome e com sede e Te demos de comer e de beber; peregrino e Te acolhemos; nu e Te vestimos; doente e te visitamos?? Eis a resposta do Senhor: ?Em verdade vos digo: sempre que fizestes isto a um deste Meus irmãos mais pequeninos (os miseráveis!) a Mim mesmo o fizestes? (Mateus 25,34-40).

Aqui vai um testemunho do muito que é feito no âmbito da Igreja católica. E, semelhantemente pelas outras Igrejas Cristãs.

Apenas alguns exemplos bem conhecidos, cujos benefícios são praticados a todos quantos necessitam, sem considerar-se eventual formação religiosa, mas tão somente as carências que os afligem e os marginalizam.

Ajuda à Igreja que sofre (Igreja humanidade) – com ação em nível nacional e mundial. No Brasil, o coordenador é o padre Evaristo Debiasi, sediado em São Paulo. Em nível mundial é o seu fundador, padre Werenfried, que comparece onde a Igreja (Humanidade) mais padece. No momento, concentram suas atenções ao povo paupérrimo, miserável, do Paquistão.

Outro herói é o padre Júlio Lanceloti, que atua em São Paulo, atendendo os ?moradores de rua?, entre os quais doentes de Aids.

Aqui no Paraná a extraordinária iniciativa da médica doutora Zilda Arns Neumann, com excelentes serviços a incontável número de crianças, extensivos às mães e aos idosos. O trabalho da Pastoral da Criança, vinculada à CNBB, sob a coordenação da Dra. Zilda, abrange todo o Brasil e tem ramificações em outros países, com destaque ao Continente Africano.

Trabalho silencioso é desenvolvido por religiosas, aos menores do Asilo São Luiz, situado na Água Verde – Rua Bento Viana.

Também no Cotolengo, onde são atendidas pessoas portadoras das mais variadas deficiências, sob a coordenação da Congregação dos Padres de São Orione.

Os Albergues São João Batista, sob a coordenação das religiosas da Caridade São Vicente de Paulo; o Albergue Espírita, o mais antigo, sob a assistência e direção da Federação Espírita do Paraná.

Mas isto tudo é pouco, diante das muitas necessidades.

Campanha da Fraternidade (CF)

A Igreja católica promove, há quase 50 anos, a CF, cujo período forte é durante a Quaresma. Deve, porém, abranger o ano todo. Lamentavelmente, os resultados não são tão expressivos, como seria de esperar. Grande parcela da população parece não entender o alcance e objetividade de tal iniciativa.

Mobilização nacional

Uma campanha semelhante à Campanha da Fraternidade, mas de caráter permanente, certamente produziria resultados promissores. Seria muito mais eficaz do que algumas iniciativas governamentais, que não passam de esmola camuflada, o que não é função do Poder Público. Aliás, os constantes anúncios pelas emissoras de TV, salvo se estas o fazem generosa e graciosamente, envolvem gastos desnecessários. Se é doação, esmola ou assemelhada, a divulgação vai contra ao que recomenda Cristo no Evangelho descrito por São Mateus: ?Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que fez a direita? (Mateus 6,3).

Como seria a Mobilização Nacional?

A Igreja católica (CNBB) tem estrutura e autoridade moral para a realização de Mobilização Nacional. As equipes que, anualmente, planejam a Campanha da Fraternidade; e o fazem com indiscutível eficiência, incluindo concurso de cânticos e todo um minucioso planejamento, teriam mais facilidade para coordenar a Mobilização Nacional (MN).

Em que consistiria a MN?

Mobilização de todas as Dioceses: cerca de 300, estas mobilizariam suas Paróquias. A Arquidiocese de Curitiba tem mais de 150 Paróquias; é fácil de imaginar o número delas nas Arquidioceses de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, que são as maiores; e todas as demais. As Paróquias, por sua vez, mobilizariam as Associações de Leigos: Apostolado da Oração, Congregação Mariana, Carismáticas, Equipes de Nossa Senhora, Movimento Familiar Cristão, Legião de Maria, Equipes de Casais, Vicentinos, etc.

Estaria assegurada ação de ponta, nos mais distantes recantos do País. Seria tão grande o número de leigos que não acarretaria mais de duas horas, por mês, a cada um. E, ao contrário de imposição, constituiria excelente oportunidade ao fiel desempenho de fraternidade e solidariedade cristãs.

O que fariam os leigos em nível paroquial?

Promoveriam atendimento aos necessitados, mediante a complementação do provérbio chinês, segundo o qual ?a quem tem fome, em vez de dar o peixe, dar a vara e ensinar a pescar, e ele nunca mais terá fome?.

Ora, quem tem fome, antes de mais nada, precisa comer, saciar a fome. E, ao mesmo tempo, sim, dar-lhe a vara e ensiná-lo a pescar.

Em que consiste dar a vara e ensinar a pescar? Consiste em dar vestimenta ao maltrapilho; propiciar-lhe condições de higiene e um teto para ter onde dormir. Preparação mediante educação e formação, com vistas à sua inserção comunitária e social. Tarefa lenta, como todo processo educacional; mais exeqüível, que contribuiria, decisivamente, para a redução e, a longo prazo, a eliminação da violência. As oportunidades de trabalho ensejariam acabar com furtos, roubos, assaltos e seqüestros.

Onde houver Estabelecimentos de Ensino Médio e Superior, poderão proporcionar importante apoio educacional.

Todas essas iniciativas, aparentemente difíceis e até impossíveis, não o são. Ao contrário, os excessos de roupas, calçados e uma variedade de utilidades, podem e devem ser entregues aos necessitados. O que sobra para muitos falta para irmãos mais numerosos.

Mas a assistência não pode e não deve ser paternalista, de mão aberta, porque tudo o que é gratuito não é valorizado. O assistido deve retribuir de alguma forma, realizando trabalhos manuais, por exemplo.

Seria importante, indispensável até, a criação de um Banco Popular, destinado a pequenos empréstimos, mediante juros os mais suaves. E, evidentemente, para investimentos.

Na última reunião da CNBB, em Itaici – SP, segundo noticiaram alguns jornais, foi levantada a questão do êxodo de católicos para outras Igrejas (Evangélicas Pentecostais). Por que isso acontece? Evidentemente por causas diversas, certamente existe relação com a falta de apoio material.

O saudoso monsenhor Ivo Zanl Orenzzi, cujo nome identifica a Avenida Conectora, que liga Campo Comprido ao terminal da Campina do Siqueira, o qual foi verdadeiro expoente como professor de Filosofia e Teologia, na PUCPR, além de excepcional orador sacro-evangelizador, costumava dizer: ?Não se pode pregar espiritualidade a quem está de estomago vazio!?.

Portanto, a Assistência Social ampla, mediante a complementação do provérbio chinês, propiciaria o desempenho principal da Igreja, que é a Evangelização!

Continua no próximo domingo

Ary de Christan é membro fundador da Academia Paranaense de Medicina

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