Mudanças e cautela

Lula deu o seu recado. Na verdade, repetiu-o em suas diversas falas, reiterando posições assumidas durante a campanha, cuja firmeza foi por diversas vezes colocada em dúvida, não só por seus adversários políticos, como pelo mercado. Aos petistas mais radicais e seus apoiadores à esquerda, até parecia que Lula havia renunciado a um ideário de mais de duas décadas, que se traduz na busca de maior igualdade na sociedade brasileira, amplas oportunidades para todos e, principalmente, a eliminação da pobreza absoluta e seu mal maior, a fome.

Em seus discursos, já presidente, Luiz Inácio Lula da Silva reiterou todos os objetivos revolucionários que pregou em sua trajetória política. Renunciou, entretanto, à revolução em si, ou seja, a busca dos caminhos da ilegalidade, o abraço às heterodoxias de frágil sustentação teórica e às fórmulas de enfrentamento das instituições que em outras sociedades não se sustentaram. Ou só se sustentaram sob ferrenhas ditaduras, colhendo, afinal, resultados mais negativos e não os positivos almejados.

O Brasil vai mudar, assegurou Lula. Mudar para extirpar a miséria do seu povo. Para acabar com privilégios, com a corrupção e implantar uma verdadeira democracia. E só é democracia aquela em que os direitos políticos são secundados com o direito a uma vida condigna, em que haja alimento, escola, saúde, emprego.

Preconceitos faziam crer que esses objetivos haviam sido abandonados, esquecidos, em nome da prioridade de ganhar as eleições. Mas não parece que assim aconteceu. Eles continuam sendo o ideário de Lula e sua equipe. O que mudaram foram os métodos a serem utilizados para sua conquista. Lula quer reformas no devido tempo, o que não significa um processo de contínuas e infindas procrastinações. Quer reformas rápidas, mas que não atropelem os compromissos assumidos pelo País e os contratos firmados com ele ou com suas instituições. Para tanto, precisa da colaboração de toda a sociedade, formando o seu pacto social. E precisa dos que confiaram em suas promessas compreensão e paciência, pois as reformas que planejou exigem mudanças profundas, que não se fazem senão a médio e longo prazos.

O projeto de combate à miséria será um dos primeiros passos. Das reformas, a da Previdência é prioridade absoluta, o que se explica não só por seus efeitos sociais, como porque o sistema sangra os cofres públicos e impede que sobrem recursos para os demais projetos, sejam também sociais ou de outra natureza. Há necessidade premente de entendimento com o Congresso, e aí a grande incógnita. Ramez Tebet, presidente (por enquanto) do Senado, em discurso durante a posse, prometeu essa colaboração, mas quem acompanha a atividade parlamentar no Brasil sabe que as pelejas no parlamento não são fáceis. Tanto mais quando há um governo sem maioria, ou de maioria precária. Lula conta com a pressão da sociedade, que terá de se fazer não com conotação ideológica, mas de forma objetiva e pragmática, mostrando à nação, inclusive e principalmente àqueles que há décadas se beneficiam da má distribuição de riquezas em que sempre viveu o Brasil, que é agora ou nunca. Que é Lula, lá… Senão, haverá o levantar dos oprimidos, exigindo de forma mais radical o que Lula quer fazer democraticamente.

Dos discursos da posse ficou claro que o Brasil vai mudar, precisa mudar e terá de mudar, mesmo porque desta vez, lá, na Presidência, está um trabalhador de origem humilde, que viveu as vicissitudes dos excluídos.

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