MPB em transe

Das duas, uma: ou está para eclodir um movimento capaz de revolucionar a estética musical do País, ou o coma é irreversível e seguiremos assistindo a heróicas mas, isoladas tentativas de resgatar a alma da Música Popular Brasileira.

Guardadas as proporções, o cenário é semelhante ao do final dos anos 70, quando a MPB era dominada pelos tropicalistas de um lado e os representantes da ala politizada dos Festivais da Canção (Chico Buarque, Elis Regina, etc) do outro. Com um agravante: naquela época, nos estertores da ditadura militar, os artistas eram julgados segundo o seu posicionamento político-ideológico, porque a qualidade artística era inegável. Mesmo assim, havia um abismo entre o que esses artistas produziam e o que o público esperava, traduzido nas fracas vendagens da maioria dos “medalhões” no final dos 70 e início dos 80.

Foi nesse terreno, enquanto a febre da discoteca arrefecia e o mundo assistia ao surgimento da new wave, que germinou, cresceu e se alastrou o que os críticos musicais chamam de BRock, ou rock brasileiro dos anos 80. Que não era tão “refinado” artisticamente como a MPB, mas representava um movimento genuíno da juventude brasileira, entediada pelos embates políticos e a “cabecice” da música oficial. E assim surgiram bandas como Blitz, Barão Vermelho, Ira!, RPM, Titãs, Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Capital Inicial e tantas outras, que, bem ou mal, tocavam o que tinham vontade, ganharam as gravadoras, venderam milhões de discos e estão por aí até hoje.

Mas a geração roqueira dos 80, como movimento artístico, não deixou herdeiros. Ainda que na década seguinte tenham surgido nomes como Skank, O Rappa, Cássia Eller, Pato Fu, e, vá lá, Jota Quest, foram sucessos isolados, não da geração como um todo. Mesmo o autêntico mangue beat de Chico Science teve alcance restrito. Enquanto isso, a MPB oficial reagia com Marisa Monte e suas sucessoras, e a tragédia se consumava: as rádios eram invadidas pelo axé que transbordou da Bahia, depois o breganejo, o pagode-mauricinho e finalmente o desvirtuado “funk” carioca.

Nos anos 2000, o cenário é de terra arrasada: o rock, capengando com a rebeldia de butique de Charlie Brown Jr., CPM-22 e asseclas, exuma os cadáveres dos anos 80, com intermináveis coletâneas, “acústicos” e reuniões. A MPB, onde se enfileiram Zélia Duncan, Ana Carolina, Adriana Calcanhoto e outras (fora os “medalhões” de sempre), também não vai muito bem das pernas: a poderosa Marisa Monte entrincheirou-se com Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown no inacreditável Tribalistas, enquanto outros pioneiros tentam deslanchar a carreira dos pimpolhos: Jair Rodrigues com Jair Oliveira (ex-Jairzinho), Baby do Brasil (ex-Consuelo) com o SNZ, Wilson Simonal com Simoninha e Max de Castro e Zizi Possi com Luiza.

Como não há bem que sempre dure nem mal que nunca se acabe, o axé, o sertanejo, o pagode e o funk também escorregam inexoravelmente para o limbo (debilmente suspensos pelo MC Serginho e a sua Lacraia). E as aberrações de laboratório? o KLB, dos filhos do dono da gravadora, começa a entediar até os fãs. E o Rouge, daquelas meninas simpáticas do Popstars, também tem fôlego curto.

É nesse vácuo que a música brasileira pode recuperar a sua alma como já demonstram grupos como o Los Hermanos (não o da Anna Júlia, mas o do impecável Bloco do Eu Sozinho) e os pernambucanos arretados do Cordel do Fogo Encantado. Ou vendê-la definitivamente ao diabo da indústria fonográfica, refestelado no jabá institucionalizado.

Luigi Poniwass

(reporter9@parana-online.com.br) é repórter do Almanaque em O Estado

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