Morrendo no deserto

Nos tempos da ditadura militar iniciada com o golpe de Estado de 1964, numa resposta às críticas e protestos das esquerdas, foi lançado pelo governo militar o slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o!”. Dos que deixaram, por não concordarem com o regime militar e aspirarem um governo de esquerda no Brasil, a grande maioria voltou após a redemocratização e a anistia. Há os que não tiveram possibilidade de reconstruir sua vida no Brasil. E os que, com a implosão do comunismo no leste europeu, sofreram uma desilusão que avassalou seus ideais, a ponto de perderem a motivação para continuar lutando contra o regime brasileiro pela via da força. O regime que apelidaram de neoliberalismo, derrotaram nas urnas, com a eleição do ex-operário Luiz Inácio Lula da Silva.

Nos últimos dias, o que vimos foram notícias de brasileiros deixando o País em grandes levas, muitos para tentar a sorte nos Estados Unidos, onde procuram ingressar clandestinamente. Essa aventura é antiga, mas os fatos mais recentes são chocantes. No Estado norte-americano do Texas, a polícia barrou um caminhão que carregava, num baú fechado, nada menos de 25 clandestinos brasileiros, alguns quase morrendo de sede e fome.

O paulista Ricardo Luís Inácio, de 31 anos, ao tentar atravessar a pé a fronteira entre o México e os Estados Unidos, em busca de trabalho, morreu de desidratação. “Ele quis dar uma vida melhor para a gente e por isso ele tentou. Se arriscou, não é?”, disse a viúva. A brasileira Vilma Ribeiro Machado, de 41 anos, morreu da mesma maneira, tentando atravessar a fronteira mexicana com os Estados Unidos. O corpo foi descoberto pela polícia em Tucson, no Arizona. No dia 3 de junho, o sapateiro Welton Divino Feliciano, de 34 anos, morreu abandonado no Deserto do Arizona, perto de Douglas.

Essa gente está deixando o Brasil não porque não ame o seu País, mas porque sente que por ele não é amado. O motivo, salvo alguns casos de aventuras de jovens, é a falta de trabalho e de oportunidades. E a ilusão de que os Estados Unidos, ou outros países do bloco dito desenvolvido, rico, são verdadeiros paraísos, onde vale a pena viver na ilegalidade, trabalhar em serviços que não exigem especialização, como lavar louça em restaurantes, ser garçons improvisados ou faxineiros. Funções que no Brasil não aceitariam. Mas o desespero vem quando, mesmo se sujeitando a tais trabalhos, apesar de maiores ambições e não raro melhor preparo, nem esses trabalhos humildes aqui encontram.

Estes são alguns dos casos que estão ocorrendo agora, já no governo Lula, dito de esquerda. Mas o número de brasileiros que emigraram para os Estados Unidos, legal ou ilegalmente, aumentou de 82 mil em 1990, para 211 mil no ano 2000. As autoridades brasileiras nos Estados Unidos não acreditam nessa estatística. Acreditam que entre 800 mil e 1,2 milhão de conterrâneos nossos vivem na terra de Tio Sam.

Estes últimos e trágicos fatos, em que brasileiros desempregados colhem a morte no deserto, ao tentarem entrar desesperadamente num país desenvolvido, em busca de uma vida melhor, bem como as migrações anteriores, pelos mesmos motivos, são um libelo contra o Estado brasileiro. E, se não revelam desamor pelo Brasil, evidenciam que muita gente está disposta a divorciar-se da pátria amada, em busca da sobrevivência. Há que se encarar a questão com maior seriedade, analisar o fato com responsabilidade. E isso é missão do governo, dos homens que assumiram o poder e encontraram essa situação, que vem se avolumando.

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