Morre Renato Andrade, o maior violeiro do Brasil

São Paulo – Considerado a maior autoridade da viola caipira, o músico mineiro Renato Andrade, de 73 anos, morreu hoje pela manhã, vítima de câncer no pulmão, em sua terra natal, Abaeté, região central de Minas. Andrade vivia com a família, após descobrir que estava doente, em setembro deste ano. O velório estava previsto para ser realizado na Câmara Municipal e o enterro, ainda hoje à noite, às 21 horas, no cemitério local. Por causa da perda do filho ilustre da cidade, a prefeitura decretou luto oficial de três dias.

Andrade tinha formação erudita. Estudou violino desde a infância, mas na década de 70, resolveu deixar o instrumento que o acompanhava durante tantos anos para se dedicar à viola caipira. Não por acaso, ficou conhecido como o músico que levou a viola caipira para as salas de concerto. Depois de se mudar para o Rio, nos anos 70, passou a realizar concertos de viola com maestros como Edino Krieger, Guerra-Peixe e Francisco Mignone. Foi pioneiro no gênero no Brasil. Andrade ganhou fama também por seu virtuosismo, pela simplicidade harmônica, pela técnica apurada que desenvolveu: ele dominava diferentes afinações como o cebolão, a rio abaixo e a afinação de guitarra.

No currículo, Andrade trazia ainda uma série de trilhas sonoras para filmes e alguns trabalhos como ator. Mas o músico fazia a alegria do público mesmo em suas apresentações e seus discos. O primeiro álbum-solo que gravou foi "Viola Fantástica de Renato Andrade", de 1977, uma referência para todo músico que queira tentar dominar o instrumento. O disco chegou a ser lançado em CD, dividindo espaço com Almir Sater numa série da Continental intitulada "Dose Dupla", mas está fora de catálogo – bem como a maioria de seus poucos e raros álbuns. Um de seus últimos registros foi "Brasil Musical", de 1997, da série Instrumental Banco do Brasil, em que tocou com um de seus discípulos e conterrâneo, Roberto Corrêa.

Naquele mesmo ano, Andrade participou de "Violeiros do Brasil", abrangente projeto realizado pela produtora Myriam Taubkin no Sesc Pompéia, com o intuito de mapear o instrumento por todas as regiões brasileiras. Os shows foram gravados e numa compilação em CD, como os demais, Andrade tem uma faixa registrada: "O Canto da Siriema". Entre seus sucessos estão temas como "Sagarana", "Relógio da Fazenda" e "Folia de Reis".

No mês passado, Andrade fez o show de encerramento do 2º Prêmio Syngenta de Música Instrumental de Viola, no Teatro Alfa, concurso realizado em São Paulo por outro de seus seguidores, Ivan Villela. "Ele foi pioneiro nessa história de violeiro solista, virtuose, e foi escola para todo mundo", reconheceu Villela. "É difícil surgir outro igual."

Na ocasião, Andrade lembrou que a viola antigamente era comparada a banana e mortadela. "Diziam isso dela porque banana e mortadela eram sinônimos de falta de civilização", explicou. Pois foi ele quem levou o instrumento à condição de iguaria nacional. "A viola veio de Portugal, como Carmen Miranda. Só que Carmen foi para Hollywood e a viola ficou na roça", comparou.

É consenso entre os violeiros, apesar de todos o terem como uma espécie de Pelé ou João Gilberto do instrumento, que nenhum deles é capaz de chegar a seu nível de perfeição. Também conhecido pela falta de (desnecessária) modéstia, ele próprio reconhecia o fato. "Temos violeiros muito bons, como Roberto Corrêa, Ivan Villela, Almir Sater. Sei que sirvo de inspiração para eles porque adquiri uma técnica muito rara. Mas não sei se ousariam se considerarem meus seguidores", disse há dois meses. Andrade abriu uma única exceção para o goiano Marcos Biancardini de 26 anos: "Ele é minha xerox, em técnica e repertório." Em termos de soberba também, dizem nos bastidores outros colegas.

Andrade tinha acabado de completar 35 anos de carreira e ia comemorar a data com uma turnê por dez cidades de São Paulo e Minas, incluindo as capitais desses Estados, dentro do projeto Natura Musical. Três desses shows seriam em grandes espaços com entrada franca. Andrade foi o maior ícone do instrumento que, ao lado do violão, melhor simboliza a dignidade musical brasileira.

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