Monótona repetição

Ninguém elegeu Lula presidente para fazê-lo repetir com o passar dos anos, dia após dia, que a culpa de tudo o que está errado é do antecessor Fernando Henrique Cardoso. Mas, pelo que dizem em Brasília e diante dos microfones e câmeras, os agentes do atual governo não estão ainda cansados da monótona repetição. Terminarão os quatro anos (pleiteando outros quatro) colocando a culpa do não fazer sobre o passado, como se não tivessem ganho uma eleição exatamente porque prometiam consertar os erros que continuam cometendo.

A figura da “herança maldita” é jargão obrigatório no discurso petista emparedado pelas dificuldades (algumas naturais, outras criadas por ele próprio) de governar e permeia de forma recorrente o discurso do próprio presidente da República, já quase esquecido de algumas promessas importantes.

Usaram-na quase todos os ministros, incluindo José Dirceu, da Casa Civil, em seu famoso discurso em que se considerou “in-com-pe-ten-te” por não ter desconfiado das maracutaias de seu braço-direito, o escroque Waldomiro Diniz, ex-assessor parlamentar com direito a se meter em assuntos vários, aleatórios e atinentes à corrupção. Agora é a vez do ministro do Trabalho, que já foi da Previdência, Ricardo Berzoini, descobrir a pólvora. Disse em entrevista a um programa chamado “TV Cut”, no final da semana que passou, que o governo a que serve assumiu o País com a “economia desorganizada e o desemprego muito alto”. Assim, como já dizia em campanha o PT da oposição, o PT da situação justifica o nível recorde de desemprego que os brasileiros sofrem na atualidade, quase um ano e meio depois da retumbante posse.

Como o espetáculo do desenvolvimento não começa e, sem ele, fica difícil a geração de empregos, vale tudo. Em vez de realizar – e é para isso que existe -, o governo se justifica. Vai ver, além de gente torcendo para que tudo saia mal, tem gente do governo anterior trabalhando contra. Seriam da oposição também todos os que descem os morros e infernizam a vida dos que trabalham, estudam e se divertem sem segurança; os que apontam buracos nas estradas; os que reclamam das propriedades invadidas pelo MST e até os próprios desempregados infernizados em filas diante de alguma oferta de emprego…

Mais original que Berzoini (já notabilizado pelo seu fiasco com os velhinhos da Previdência, constrangidos a comparecer nos guichês do órgão para provar que estavam vivos) foi o ministro Guido Mantega, do Planejamento, que prefere a versão segundo a qual Lula nunca prometeu criar dez milhões de empregos, mas, sim, teria observado simplesmente que seriam necessários dez milhões de empregos durante os quatro anos de um hipotético governo seu. Paz e amor. Sem promessa objetiva, desautorizados ficam assim todos os que cobram o que se descobriu impossível fazer. E o governo fica desobrigado do terrível jugo.

A pequenas observações feitas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (uma delas, de que o governo Lula não tem um rumo) seguiram-se dezenas de pronunciamentos, alguns desencantados, outros desaforados, como se Lula, amanhã na condição de ex-governante, estivesse também enterrado para a política. Assim, não vamos chegar a lugar algum. O PT é governo e tem a responsabilidade de governar, não apenas de produzir discursos ou, como quer José Genoino, seu presidente, de parecer uma academia onde intermináveis discussões a pouca coisa, na prática, servem. Nos quase sessenta grupos de trabalho criados em menos de ano e meio, sequer se conseguiu estabelecer a chamada “linha da pobreza” para respaldar o Fome Zero. Em compensação, o grupo que estudava a estatização dos jogos de bingo foi surpreendido com o fechamento de tudo…

Está na hora de o governo do PT mostrar a que veio. O resto a gente já conhece.

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