Ministro na esparrela

O ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, começara bem a sua missão. Defendia um regime único de aposentadorias, sem exceção, para que todos pudessem ter um período de descanso, ao fim da vida, se não folgado, ao menos decente. Ele até imaginava como isso deveria acontecer, mediante uma prolongada fase de transição, sem prejuízo para os considerados “direitos adquiridos”, através dos quais tem gente que ganha mais na inatividade do que quando trabalhava e contribuía. Berzoini tinha até imaginado valores suportáveis pelo Tesouro enquanto o sistema não fosse auto-sustentável.

Tinha. Porque em poucos dias mudou de idéia diante das reações que já se previa acontecer. E, para surpresa de todos, rapidamente anunciou que, por decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a primeira exceção estava consolidada – a dos militares, diante das peculiaridades da carreira. Acalmou, assim, as furiosas reações da caserna, mas desencadeou outra avalanche de reclamações, não de menor intensidade e perigo, a começar pela magistratura, que também entende merecer considerações especiais à vista da proibição que seus integrantes têm para o exercício de outras funções, a não ser o magistério. Depois dos magistrados, outros virão, como professores, fiscais da Receita e da própria Previdência, portuários…

É um filme que já assistimos, não faz muito. Há menos de oito anos, essa também era a vontade do presidente Fernando Henrique Cardoso, cheio de projetos de mudanças prometidas em palanque. Com uma diferença: o presidente em pessoa apostava suas fichas na necessidade de realizar uma reforma sem furos. FHC propôs as mudanças, foi até o Congresso, e enfrentou até onde conseguiu (em seu primeiro mandato foi mais valente) as corporações que, segundo ele dizia publicamente, estavam a defender, não direitos, mas privilégios. Cunhou inclusive uma frase infeliz, referindo-se aos “vagabundos” que, nas tetas do Estado, se aposentavam na flor da idade. Deu no que deu, inclusive com a “ajuda” do PT, hoje no governo.

Muito antes de iniciar a formalização de uma proposta, o ministro do governo de Lula entrou no vaivém de intenções que – não há dúvida – haverá de inviabilizar as mudanças pretendidas na Previdência Social. Segundo diz, age por determinação do presidente, que sempre teve o apoio desses setores privilegiados. Talvez escudado nesse fato, há quem já se encoraje a defender inclusive a volta à situação anterior à dos remendos realizados na época FHC.

A menos que esteja desenvolvendo uma tática especial, que ninguém até aqui entendeu ainda, o ministro Berzoini caiu na esparrela, uma armadilha da qual muito dificilmente sairá ileso. Cada categoria tem seus motivos para alegar especificidades, trabalho diferenciado e coisas do gênero. Isso vale para o discurso na ativa e na inatividade: na ativa para ganhar mais, ter mais folgas e vantagens; na inatividade, para continuar sugando o que o Tesouro da nação não tem condições de proporcionar sem o cometimento da injustiça da brutal desigualdade que nos envergonha a todos. Mexer na Previdência é imperativo. O principal rombo anual do governo está ali. Mas mexer para consagrar, outra vez, os privilégios que são a exata causa do rombo, eis aí uma obra despicienda.

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