Ministério Público e a reforma da Previdência. Questões atuais

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva entrou com muita disposição no problema da previdência, trazendo o ministro Ricardo Berzoini, à frente, ele que é deputado federal por São Paulo e que foi líder e presidente de um importante sindicato bancário, e que vem com uma idéia preconcebida, de querer fazer uma previdência única para todo o país, embora esse ponto de vista não espelhe “uma posição do governo” na sua integralidade.

Trata-se na verdade de uma missão praticamente impossível, pois que alicerçada em uma série de lugares comuns que de tão repetidos às vezes mais atrapalham que ajudam na solução desse enorme problema que interessa diretamente a todos nós.

O curioso disso tudo, é que o Partido dos Trabalhadores, conforme compromisso público de campanha, vinha disposto a apresentar um plano estratégico que ainda não foi amplamente debatido pelo conjunto da sociedade, e não é hora de se procurar com esse tema atingir determinados segmentos sociais, que pela nobreza e pujança de suas funções é praticamente impossível de serem reunidos num sistema único, pelas suas próprias e insuperáveis diferenças ontológicas. Não repitamos a era Collor.

Atualmente temos uma previdência única para o setor privado, que muito desagrada seus beneficiários, que reclamam de cotidiano de sua desatualização e freqüentes injustiças que proporciona, pois alguns começam ganhando o equivalente a 5(cinco) salários mínimos e no decorrer do tempo, pelo desajuste, vêem esse “quantum” ir minguando paulatinamente.

Assim soa totalmente desarrazoado, querer desde logo que esse seja um projeto que se deva levar a todas as classes, estabelecendo um impossível teto único para todos, indistintamente, o que seria desejável porém é decididamente utópico, face aos diferentes níveis de descontos autuariais em tese transforma numa verdadeira tarefa de Hércules dos tempos modernos.

Os senhores ministros militares, capitaneados pelo ministro da Defesa, já falaram grosso que tal pretensão com relação às forças armadas é praticamente impossível de se acolher face suas várias peculiaridades, dadas as atipicidades e especificidades de suas relevantes atribuições.

Na esteira dessa posição já vem surgindo o movimento dos ilustres magistrados de todo o País e de toda a classe forense, e atrelados a eles vem também os membros do Ministério Público, quer federal quer dos estados, que não podem se conformar com tamanha pretensão, visto que há poucas condições materiais de fazê-lo, mesmo que, com o repetido projeto de reforma da Constituição Federal, o que deve fazer revirar no espaço em que se encontra o inolvidável Ulisses Guimarães, que mais uma vez, nos faz tanta falta, em defesa de sua Constituição cidadã.

É curioso como se desrespeitam funções essenciais do Estado, para ficar apenas com as Forças Armadas, a Magistratura e o Ministério Público nacional, principalmente agora, que a nobre instituição ministerial, armada pela legislação em que se constituiu a “ação civil pública”, mesmo quando embasada no “inquérito civil público” vem atingindo graúdos feudos nunca dantes imaginados de serem alcançados pelos agentes da Lei.

Este Ministério Público, uno, indivisível, hierárquico, atuante e pragmático defensor do texto constitucional, constitui a chamada “magistratura de pé” em oposição à respeitada “magistratura sentada”, ambas as magistraturas com um complexo de atribuições jurídicas, uma das quais, e a mais importante que se dá com o Supremo Tribunal Federal, o guardião do texto constitucional, pairando acima das projeções às vezes apaixonadas que não conseguem a elevação de bem avaliar seus doutos pronunciamentos.

O Ministério Público, por sua vez, que atua em todos os processos que chegam à Suprema Corte, fiscal da lei e da sua execução, vem cobrindo vários espaços, pois que atualmente esta aparelhado com legislação especial que lhe dá esse inusitado poder de ação que vem sendo exercitado na defesa dos superiores interesses da Nação e da sociedade brasileira.

É ele o Ministério Público uma das mais importantes instituições nacionais, na qual, via de regra, são depositadas as esperanças do lídimo exercício da observação perfeita da ordem legal, paladino das iniciativas e ações penais contra os que fazem o mau uso do dinheiro público, estrutura-se em dois planos um federal o Ministério Público da União e outro estadual com o Ministério Público dos Estados, e ainda numa faceta estranha e “sui generis” o Ministério Público junto aos Tribunais de Contas, que um dia retornará ao seu regaço constitucional pertencendo a uma dessas duas divisões supracitadas.

Pois essa nobre instituição, que comanda e não é comandada, está sempre em posição de vanguarda na defesa dos superiores interesses da Nação, resguarda o bem comum, a ordem legal, a defesa do consumidor, o império da legalidade, contra todos os tipos de abusos e deturpações, goza de um grau de autonomia e independência, que lhe é peculiar, e sem o qual não atingiria os fins constitucionais para os quais foi criado.

Consciente de seu papel no sistema constitucional, seus integrantes gozam das garantias constitucionais da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, e por essas mesmas razões, não podem ser desesperançados de perdê-la quando a idade provecta os alijar da frente de batalha e da luta permanente pela defesa da própria higidez das demais instituições.

Seus membros são recrutados em sérios e idôneos concursos públicos onde a transparência tem sido a regra, a sua carreira é amplamente vigiada e fiscalizada, pelos que estão em posições hierarquicamente superiores, e que são escolhidos democraticamente em votações claras e de todos os seus integrantes, e ainda por seus corretos mecanismos internos de fiscalização, que atuam ostensivamente, não tolerando desvios ou desprezando aspectos ou posições corporativas, sempre na perseguição dos seus mais altos objetivos nacionais.

Por isso, fica muito difícil e nós particularmente julgamos impossível que se pretenda, no Brasil atual, com todas as virtualidades que são protegidas pelas cláusulas pétreas, inclusive a rigorosa paridade entre ativos e inativos, que é uma sofrida conquista dos funcionários públicos, como contornar esses direitos, e lançar-se profissões atípicas, mas essencialmente importantes, porque não se tratam só ou apenas dos funcionários públicos, simples ou de grande porte.

Mas quando se trata do Ministério Público estamos diante de verdadeiros agentes políticos empenhados na transformação do modelo atual em uma sociedade mais justa, fraterna e solidária, como quer a nossa Constituição Federal.

Conhecido e surrado discurso de que a Previdência não arrecada o suficiente, e por isso vai quebrar o país, mais parece um bordão televisivo, que já foi amplamente questionado pela nobre classe dos Auditores Fiscais do próprio INSS em conhecido trabalho que foi divulgado mas que a fala governamental, desse e do governo passado, insistem em desconhecer, numa retórica persistente mas a nosso ver desarrazoada.

Nesse sentido a Gazeta Mercantil de 14/1/03, pág. A-4, em artigo intitulado: ªLRF, o sumiço do pires em Brasília”, demonstra que o gasto com a previdência dos Municípios foi contido embora seja de grande significado para as finanças municipais, estas que também são muito afetadas pelos coeficientes exigidos pela responsabilidade fiscal, que vai contendo o ” deficit” desses entes públicos.

No conjunto desse sistema parece-nos extremamente óbvio que uma verdadeira Reforma da Previdência não pode partir de um posicionamento rígido, indobrável, já que a matéria é por si mesmo, altamente complexa e variada, e que exige soluções marcadas por forte dose de humanismo, para que as injustiças que diz querer combater não proliferem ainda mais.

Deve-se partir de três posições claras e distintas, um regime novo, atingirá somente os que entrarem depois que os mesmos estiverem em vigor e aí não haverá problemas; estes surgem quando se tratam dos que estão no serviço público e aqueles que já estão aposentados.

Estes últimos também não apresentam problemas e por isso, devem ser preservados os seus direitos adquiridos, que estão garantidos pela Constituição Federal, e que já foram citados, com a inflexível paridade, que acompanha as elevações salariais dos ativos, posto que, no passado assistimos a completa degradação das aposentadorias e pensões, com a falta de correspondência entre os ganhos do pessoal ativo e dos inativos, estes que ficavam relegados a um plano secundário, como se fossem os párias da sociedade, e isso, não é nem desejável nem possível, porque os servidores ativo de hoje, fatalmente serão os inativos do amanhã.

E os que estão no serviço público e ainda não alcançaram a idade ou o tempo necessário para a aposentadoria, que se constitui no maior problema a ser enfrentado, pensamos que poderíamos equacioná-lo, com a aplicação de uma regra de paridade, entre o tempo do serviço prestado e o que lhe falta para completar o quadro de direitos exigidos, assim, haveria que haver uma regra de proporcionalidade que evitasse que os mesmos fossem prejudicados, se lhes for imposto um regime global e único.

Achamos que fora dessas regras não há campo para outras discussões bizantinas e que descambam para os achismos, e outros neologismos com os quais se procura cobrir a verdade, com a panacéia de todos os males, como parecem querer fazer aqueles que procuram essa hora para a desforra perante os servidores públicos, muitos deles completamente abnegados, que são vitais para o bom funcionamento da nação. A hora é pois de intensa mobilização, repitamos com Tancredo Neves “não vamos nos dispersar.”

Nilton Bussi

é procurador de Justiça do Paraná, aposentado.

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