Memória na lata do lixo

Parte preciosa da história da televisão brasileira está irremediavelmente perdida. Não estamos falando apenas da sua primeira década de existência, quando ainda não havia o videoteipe e da qual ficaram apenas poucos registros em película cinematográfica. O VT desembarcou no País em 1960, dez anos depois da inauguração da pioneira TV Tupi de São Paulo, mas pouca coisa restou dos programas produzidos nos anos 60. Nada sobrou dos musicais Jovem Guarda e O Fino da Bossa, produzidos pela TV Record.

Para as emissoras, a possibilidade de apagar as fitas e reutilizá-las para a gravação de novos programas representava uma redução de custos. Ninguém se preocupava em preservar imagens para posteridade. A dificuldade de armazenar os imensos rolos de fitas no formato Quadruplex, de duas polegadas, era um desestímulo a mais. Para piorar a situação, os incêndios que atingiram diversas emissoras nos anos 60 e 70 contribuíram para destruir parte do pouco que havia sido preservado. E outras imagens se perderam por deterioração do suporte magnético, em razão das más condições de armazenamento das fitas.

Parte do acervo de emissoras extintas teve destino ignorado. Globo e Cultura possuem algum material da Excelsior, mas a maior parte das fitas da antiga emissora paulista sumiu. A Tupi, que encerrou suas atividades em 1980, se encarregou de destruir grande parte de sua memória. Do que restou, parte se perdeu após a extinção da emissora. Hoje, apenas 3 mil fitas VHS (formato de videocassete doméstico) e 850 U-Matic (videocassete semiprofissional) sobraram para contar a história da emissora dos Diários Associados.

Nem a TV Globo, que um dia já foi sinônimo de qualidade e vanguarda tecnológica, teve o devido cuidado de preservar sua memória. Das novelas produzidas nos anos 70, só restaram três na íntegra. Na época, a norma era guardar apenas os dois primeiros, os dois últimos e dois capítulos intermediários de cada trama. Somente na década seguinte, quando a emissora começou a exportar programas, é que surgiu a cultura da preservação. Hoje, as emissoras sabem que guardam um patrimônio valiosíssimo, que pode se tornar um negócio lucrativo. Nos EUA, até hoje são comercializadas cópias em videocassetes e DVDs de seriados antigos, como Perdidos no Espaço ou A Feiticeira.

O SBT guarda praticamente todo o material produzido a partir de 1990, totalizando 20 mil fitas. Um diretor da emissora explica que a mentalidade se inverteu: com o atual custo de produção dos programas de televisão, deixar de arquivá-los é jogar dinheiro fora. As pequenas fitas de videocassete profissional Betacam SP, de meia polegada, são uma mídia relativamente barata e de alta performance: custam cerca de R$ 100,00 e têm qualidade equivalente às Quadruplex e às helicoidais de uma polegada.

Atualmente, o SBT está digitalizando e informatizando seu arquivo. Será implantado um sistema de busca que permitirá a localização imediata de qualquer imagem. Já a Globo, que possui um acervo de 200 mil fitas, usa um sistema robotizado para a localizá-las nas prateleiras dos arquivos.

Ari Silveira (ari@pron.com.br) é chefe de Reportagem de O Estado

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