Medidas socioeducativas (III)

Apenas para dar um exemplo, um adolescente, autor de latrocínio, não conhecia sua genitora. No curso do período de internação, os esforços de uma entidade não governamental localizaram aquela mulher, através de anúncios de rádio divulgados em todo País. Após saber que encontraria a mãe, o rapaz mudou. O bloco de gelo existente dentro de seu coração enfermo começou a derreter. Passou a se preparar para conhecê-la. Descobriu sua identidade, desenvolveu auto-estima, elaborou planos, participou com proveito dos projetos pedagógicos da entidade, adquiriu senso de responsabilidade. A continuidade de internação foi se tornando desnecessária. Nesse assunto, não há lugar para utopias nem subterfúgios. Se é verdade que a internação dificulta sobremodo o trabalho pedagógico, isso não quer dizer que o torna impossível. Então, ele deve ser planejado e realizado sem perda de tempo, devendo ser buscados todos os investimentos e recursos materiais e humanos necessários à sua consecução.

Além dos pressupostos legais genéricos para a imposição de medidas socioeducativas (art. 114), a lei prevê para a internação pressupostos específicos, previstos nos artigos 110 e 122 do ECA.. O art. 110 estabelece que nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal. Tal disposição abrange a internação e a semiliberdade, correspondendo à norma do art. 5.º. , LIV, da Constituição Federal. O art. 122 estabelece, em numerus clasus, taxativamente, a possibilidade de ser aplicada a internação. Donde, fora dessas hipóteses legais, ela não é possível.

Esse atendimento foi consolidado na jurisprudência do STJ. O inciso I do art. 122 faz referência a ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa. Assim, o pressuposto da internação, nesse prisma, não é qualquer ato infracional, mas somente aquele praticado mediante grave ameaça ou violência a pessoa, tal como acontece no roubo, estupro e homicídio. O inciso II menciona a reiteração no cometimento de outras infrações graves. O primeiro indício de gravidade será o ato infracional se equiparar a crime apenado com reclusão. Reiteração não é o mesmo que reincidência, que implica um segundo delito. Iterar significa tornar a fazer, reiterar, tornar a fazer de novo. Assim, será a partir do terceiro delito que se poderá configurar a reiteração. Este tem sido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Ressalte-se que nos casos de atos infracionais graves, sem estar caracterizada a reiteração, pode o juiz se valer da medida de semiliberdade. O inciso III prevê o descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. Trata-se da assim denominada internação-sanção, com a finalidade de coagir o adolescente a cumpri outra medida anteriormente imposta. Esta não desaparece, mas deverá ser cumprida após o prazo da internação. Diz o parágrafo 1.º , do 12, que nesse caso, o prazo de internação não poderá ser superior a três meses.

A jurisprudência do STJ, pela Súmula n.º 265, consolidou a orientação de que “é necessária a oitiva do menor infrator antes de decretar-se regressão da medida socioeducativa”. Destarte, impõe-se ouvir o adolescente, na presença de seu genitor ou responsável, em audiência de justificação, para a qual serão ambos intimados, antes de se decretar a internação-sanção. Não sendo encontrado o adolescente, será expedido mandado de busca e apreensão, sendo aconselhável que essa expedição preceda tal decisão, abrindo-se, após o seu cumprimento, o espaço para a justificação. Os critérios específicos de aplicação da internação, relacionados com o princípio da adequação, são os seguintes: brevidade, excepcionalidade, respeito à condição peculiar do adolescente como pessoa em desenvolvimento (art. 121) e o da “ultima ratio” (122, § 2.º). Alguns desses critérios são denominados de princípios pelo Estatuto.

No tocante ao assim chamado princípio da excepcionalidade, exprime a medida de internação como medida de exceção. Tal se dá porque, se o objetivo da medida socioeducativa é pedagógico, não é simplesmente educar, mas educar para o exercício da liberdade na convivência familiar e social. Ora, é contraditório pretender educar para a liberdade suprimindo a liberdade, criando-se riscos inerentes à execução da medida, inclusive do ponto de vista pedagógico. Daí o seu caráter excepcional. O princípio da brevidade deverá orientar o julgador por ocasião da aplicação da internação-sanção, a única que comporta prazo determinado. Nos demais casos, também baliza a apreciação das avaliações periódicas, apontando na direção de a internação ter a mínima duração possível, necessária a suas finalidades pedagógicas e de reinserção sociofamiliar. O princípio do respeito à condição peculiar do adolescente como pessoa em desenvolvimento remete ao princípio maior da proteção especial, base de todo sistema protetivo.

Em virtude do critério da “ultima ratio”, ou da última instância, incumbe ao juiz examinar e decidir, fundamentadamente, se as necessidades pedagógicas do adolescente podem ser atendidas por outra medida, que não a internação. A adequação da medida corresponde ao atendimento dessas necessidades pedagógicas. Para ser possível a internação, deverá ficar demonstrado que nenhuma outra medida é adequada ao caso examinado. A conclusão n.º 39 do Congresso Internacional de Buenos Aires (1998) estabelece a preferência de “procedimentos e medidas educativas, que permitam ao jovem infrator desenvolver o sentido de responsabilidade (mediação, conciliação, reparação do dano, liberdade assistida e vigiada, entre outras), antes do que a privação da liberdade, contraria ao interesse social de que o jovem se integre socialmente e mude sua conduta”. Caso interessante se oferece em relação ao ato infracional equiparado ao tráfico de entorpecentes. Tem a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça assentado o entendimento de que, não se configurando a hipótese do inciso I, do art. 122 de ECA, por não haver grave ameaça nem violência a pessoa, a internação só terá lugar se configurar reiteração no cometimento de infração grave (inciso II).

Ruy Mugiatti

é juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude da comarca de Foz do Iguaçu é membro do Conselho Técnico e Científico da Associação de Magistrados Promotores de Justiça da Infância, Juventude e Família do Estado do Paraná.

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