Medidas Socioeducativas (II)

No contexto da aplicação das medidas socioeducativas, assume grande importância a norma inscrita no art. 113 do ECA, que manda aplicar ao capítulo das medidas socioeducativas o disposto nos artigos 99 e 100. Segundo dispõe o art.99, as medidas socioeducativas poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo. O art. 100 prescreve que, na aplicação das medidas, levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

Nessa perspectiva, levando-se em conta que o conteúdo da medida socioeducativa, é na essência pedagógico e de reinserção sociofamiliar, estes são logicamente os princípios norteadores do principio de adequação da medida à situação concreta do adolescente e à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Uma vez verificada a prática do ato infracional, abre-se espaço para a aplicação das medidas socioeducativas. Essa verificação está condicionada pelas garantias processuais previstas no art. 111 do ECA, bem como delimitada pelas normas do art. 114 e seu parágrafo e 189 do Estatuto. O art. 114 dispões genericamente que a imposição das medidas socioeducativas (incisos II a VI do 112) pressupõe a existência de provas suficientes de autoria e materialidade da infração, sendo amenizados esses requisitos em relação à advertência (art. 114 parágrafo único), bem como ressalvados em relação à remissão. Tais pressupostos de imposição das medidas socioeducativas são legais e condicionam o julgamento, no sentido de não ser possível qualquer medida sem o seu pleno atendimento.

Os critérios de aplicação das medidas socioeducativas se dirigem ao julgador, para orientá-lo no trabalho de escolher a medida a ser aplicada. Podem ser genéricos e específicos. Para definir os critérios genéricos, encontramos as disposições do art. 112, § 1.º. , e art. 113. Aquele se refere à capacidade do adolescente para cumprir a medida, às circunstâncias e à gravidade da infração; este determina a aplicação dos artigos 99 e 100 do ECA. Essas normas estão interligadas entre si pelo princípio da adequação, o qual determina que seja em cada caso aplicada a medida mais adequada, considerados os fatores nelas explicitados. Levando-se em conta que o núcleo da medida socioeducativa é pedagógico, tem primazia, como critério básico ou norteador, aquele do art. 100 do ECA, relativo às necessidades pedagógicas e ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Sendo esse o critério basilar, os outros fatores ou critérios terão importância secundária, sendo estes previstos no art. 112 § 1.º: a capacidade de cumprimento da medida pelo adolescente, as circunstâncias e a gravidade da infração. O primeiro diz respeito à possibilidade de efetivação da medida, sob o aspecto de ser assumida pelo adolescente. As circunstâncias e a gravidade da infração são critérios objetivos referentes ao ato infracional, e trazem à tona o princípio da proporcionalidade. Porém, é bem de ver que esse princípio é típico do direito penal e dos sistemas repressivos ou punitivos, não lhe cabendo, num sistema eminentemente protetivo como o brasileiro, mais do que uma função secundária e dependente.

Por isso, no contexto do ECA, tal princípio somente pode se combinar com o caráter pedagógico e de reinserção social da medida socioeducativa, sem impor uma subversão desse caráter, se aceitarmos que sua atuação se restringe a uma função limitadora para o mais, nunca podendo assumir função limitadora em relação ao menos. Explico: a um ato infracional de pequena importância, deverá corresponder medida discreta, se não couber a remissão, mesmo se encontrarem no adolescente elementos para aferir uma periculosidade latente. Pelo lado inverso, a um ato infracional grave ou de repercussão social, é cabível medida mais forte, como a semiliberdade ou internação, mas também é possível medida branda, se assim recomendarem as necessidades pedagógicas referidas no art. 100, sem que haja qualquer impedimento pelo critério da gravidade da infração. Com isso, previne-se e corrige-se um ponto vulnerável do sistema protetivo, quando este, a pretexto de educar, coloque o autor da infração numa situação pior do que estaria sob um sistema punitivo.A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem proferido julgamentos nessa direção.

A internação em estabelecimento educacional é medida socioeducativa que recebeu cuidados especiais do legislador. Constitui medida privativa de liberdade e somente tem cabimento sob a égide do processo legal (artigos 121 e 110 da ECA).

Diz o art. 123 do Estatuto que a internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração. A adolescente deverá ser internada em estabelecimento próprio e adequado à sua condição feminina.

Tal separação é necessária, em primeiro lugar, para evitar a deterioração do ambiente e das relações entre os ocupantes da entidade. São conhecidos todos os graves e tormentosos problemas, riscos e dificuldades que podem desumanizar o ambiente do estabelecimento de internação, pondo a perder seus objetivos pedagógicos, passando ela a desempenhar função meramente detentiva, por vezes assumindo a condição de depósito de indivíduos. Seguramente, se Dante escrevesse hoje a sua Divina Comédia, haveria de encontrar algum desses estabelecimentos no inferno.

Para prevenir tais situações desastrosas, são necessários cuidados indispensáveis. A capacidade do estabelecimento jamais deverá ser ultrapassada. A superlotação é prejudicial, em todos os sentidos, e potencia todos os demais problemas já existentes.

Quanto menor a capacidade ocupacional, maior a possibilidade de serem implantados com êxito projetos pedagógicos. Assim, a melhor estratégia é a desconcentração e a regionalização, possibilitando que o adolescente seja internado em estabelecimento situado em local o mais próximo possível de sua residência e de sua família. Com isso, os vínculos familiares podem ser fortalecidos.

De grande importância é a execução de um projeto pedagógico abrangente e realista, incluindo o ensino formal fundamental e médio, o ensino profissionalizante teórico e prático, a laborterapia, atividades esportivas e culturais e a assistência religiosa. Os contatos com os familiares são fundamentais, devendo a família ser abordada em termos de diagnóstico e tratamento, com acompanhamento e orientação, podendo o estabelecimento se valer do Conselho Tutelar, órgão competente para aplicar as medidas do art. 129, inciso I a VII, do ECA. Muitas vezes, o ato infracional é o reflexo de uma disfunção grave da estrutura formada pelas relações familiares.

Ruy Mugiatti

é juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude da comarca de Foz do Iguaçu e membro da Comissão Técnica e Científica da Associação de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância, Juventude e Família do Estado do Paraná.

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