Medidas socioeducativas (I)

O Estatuto da Criança e do Adolescente, a partir do art. 112, trata das medidas socioeducativas, trazendo o seu rol nos incisos I a VII. Os autores são unânimes em dizer que se trata de uma relação taxativa. Mas, antes de entrar no exame do conteúdo dessas medidas, gostaria de alinhavar algumas considerações a respeito do conceito de medida. Ela se apresenta, aqui como uma conseqüência legal, ou seja, uma resposta do Estado diante de uma conduta denominada ato infracional, que aparece como seu pressuposto básico Seu destinatário é o adolescente, conforme está claro no “caput”, excluída, portanto, a criança de até 12 anos incompletos.

Sabemos que em toda a lei, a uma situação anterior e uma situação posterior, ligadas entre si por um certo tipo de relação. Na lei natural essa relação é de causalidade. Na lei jurídica, de obrigação (Kant) ou de imputação (Kelsen). Na filosofia moderna John Locke contribuiu para esclarecer a natureza da norma jurídica, observando: “Sempre que admitimos a existência de uma lei, devemos supor que haja também alguma compensação ou punição conexa”.

Tal pensamento levou à afirmação de que “a lei é um comando apoiado em uma sanção”. A sanção, nessa perspectiva, que foi mantida pelos pensadores que lhe seguiram, sempre trouxe um aspecto negativo, de repressão, punição ou retribuição. Daí a função de garantia por causar sofrimento ou dor decorrente da violação da norma.

Tal aspecto negativo foi objeto da reflexão de Goffredo Telles Junior, o qual, citando Garcia Máynez, esclarece o seguinte: “Seguindo opinião de Carnelutti, cremos que o termo sanção deve ser reservado para designar as conseqüências jurídicas que o descumprimento de um dever produz relativamente ao violador. Isto não significa que desconheçamos a existências de prêmios e recompensas, como conseqüência jurídica de certos atos meritórios. Nosso propósito consiste somente em sublinhar a conveniência de restringir o emprego daquele termo ao caso das conseqüências jurídicas repressivas. Quanto ao prêmio, estimamos que dever ser visto como uma espécie dentro do gênero das medidas jurídicas. Tende a fomentar o cumprimento meritório das normas do direito e, como toda medida jurídica, assume sempre a forma de uma conseqüência normativa. Mas em vez de traduzir-se em deveres, implica faculdades. A realização do ato meritório autoriza o sujeito, efetivamente, a reclamar a outorga da recompensa, ao “mesmo temo que obriga certos órgãos do Estado a outorgá-la”. Conclui Garcia Máynez: “Há três classes de mediadas jurídicas, a saber: preventivas, repressivas e recompensatórias. Chamamos sanções somente as segundas”. (Goffredo Telles Junior, 2001).

Ousamos a acrescentar uma quarta espécie ou classe de medidas, dentro do gênero das medidas jurídicas apresentadas acima: as medidas de proteção, lato sensu, peculiares ao Direito da Criança e do Adolescente, as quais se subdividem em medidas especificas de proteção e medidas socioeducativas. Assim, a situação posterior, ou a conseqüência normativa, que corresponde e se liga à situação anterior – pratica de ato infracional – é uma medida socioeducativa e não uma sanção. Logo, seu conteúdo não é repressivo.

Com efeito, o Estatuto da Criança e do Adolescente abraçou a chamada doutrina da proteção integral, conforme o disposto em seu art. 1.º. O principio da proteção se estende a toda infra-estrutura do sistema formado pelas normas que com-põem o Direito da Criança e do Adolescente, incorporando também estatutárias relativas ao ato infracional. A resposta do Estado à situação – prática de ato infracional – é uma conseqüência normativa não repressiva ou punitiva, mas de conteúdo socioeducativo, por visar fundamentalmente à reinserção sociofamiliar do adolescente, pela via do resgate do processo pedagógico inserido na sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Essa resposta se caracteriza através de atos acima de tudo voltados para efetivar o princípio da proteção especial, desdobrado em objetivos pedagógicos e de reinserção social.

A tradição do Direito Brasileiro faz jus a essas afirmações, pois nela do Direito da Criança e do Adolescente, antes denominado Direito do Menor, desde o seu surgimento, se inspirou numa visão eminentemente protetiva. Mello Mattos, o primeiro Juiz de Menores do País, retratava a base filosófica do sistema protetivo com essas palavras, referindo-se, aos então chamados menores delinqüentes: “A sociedade é para com eles mais culpadas do que eles o são para com a sociedade; eles são, antes, as vitimas do que os autores responsáveis”. Esse pensamento se conservou e se desenvolveu no âmbito nacional em proteção especial assumiu a forma de proteção integral.

Paralelamente, no cenário internacional, o XV Congresso da Associação Internacional de Magistrados de Menores e de Família de 1998, traz em suas conclusões: “31. A comunidade, e especialmente os meios de comunicação e os dirigentes políticos e sociais, devem compreender que os jovens são, na sua maioria, muito mais vítimas de graves delitos contra sua vida e sua integridade física e psíquica, do que autores de fatos anti-sociais, geralmente contra a propriedade”.

Por isso, a resposta do Estado ao ato infracional se caracteriza através de atos acima de tudo voltados para efetivar o princípio da proteção especial, desdobrado em objetivos pedagógicos e de reinserção social, sob a forma de medidas socioeducativas. No terreno da jurisprudência, vários julgamentos têm reconhecido que a medida socioeducativa tem caráter de reeducação e reinserção, ao invés de punitivo – retributivo.

Ruy Mugiatti

é juiz de Direito da Vara da Infância e da Juventude de Foz do Iguaçu-PR.

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