Mau começo

O regime presidencialista precisa de uma boa base de sustentação no Congresso e o troca-troca está dentro desse jogo. Os fins, portanto, justificam os meios. A sabedoria é do deputado pernambucano Roberto Freire, em muitas alas respeitado por suas posições cheias de ética. Desta vez, entretanto, mandou a ética às favas e abençoou a falta de caráter de muitos colegas eleitos por uma sigla, mas que, antes mesmo da posse, pularam de galho, um olho nas vantagens pessoais, outro no argumento estratégico da formação da base de sustentação ao governo.

Se o governo ganha em apoio (e aqui valeria um debate sobre a qualidade desse apoio amealhado de forma tão discutível), o Congresso (513 deputados e 81 senadores) que assumiu sábado em Brasília não é o mesmo. Pelas mãos do eleitor, ele foi renovado em cerca de 50%. Na Câmara Federal, disputaram reeleição 407 deputados e apenas 268 estão de volta. Isso significa um furacão provocado pelo eleitor, que confirmou apenas 53% de todos quantos naturalmente sonharam com novo mandato. Das 81 cadeiras no Senado, apenas 54 estiveram em disputa, e ali chegam pela primeira vez 40 nomes (apenas 14 se reelegeram).

Entre novos e velhos, para muitos parlamentares o primeiro ato foi de traição ao mandato recebido das mãos do eleitor. Começando assim, começam mal a obra das mudanças que a nação espera do também eleito presidente da República, cujo silêncio sobre a matéria significa um comprometedor consentimento. E ao contribuir para o troca-troca no Legislativo, ao menos por omissão, erra também o Executivo, historicamente vítima de pessoas cujo caráter balança mais que caniço ao vento. Sua sorte depende, lá na frente, de como estiverem as coisas, e o que vai pesar contra ou a favor será o tempo maior no horário eleitoral gratuito da televisão – a tribuna que interessa aos caçadores de mandato.

É bem verdade que o partido do governo – o PT, tido como um dos poucos a demonstrar desprezo, pelo menos até aqui, ao troca-troca – procurou se preservar e, até prova em contrário, saiu ileso da negociata. Mas também é verdade que nela buscou vantagem, incentivando o inchamento de partidos aliados, como o PTB e o PL, com prejuízo a legendas que, provavelmente, farão oposição ao governo, como o PSDB e o PFL.

Este último, aliás, através do presidente Jorge Bornhausen, anuncia que buscará na Justiça o ressarcimento dos prejuízos que terá com as deserções. O raciocínio, mais que ético, é matemático: se as baixas reduzem o espaço da legenda, há evidente dano, que deve ser pago por quem o causou. Embora no caso o que, outra vez, menos interessa é o eleitor, vejamos o que entende a Justiça sobre o caso e quem será eventualmente responsabilizado – se o retirante mau-caráter ou o partido receptor beneficiado.

Enquanto outra frente de discussão se abre com a iniciativa de Bornhausen (afinal, o PFL não é nenhuma vestal nessa matéria de pular de galho), o que de fato fica é o argumento em favor de uma reforma eleitoral que, se interessa ao eleitor, deve ser comandada e feita pelos eleitos. E os eleitos… bem, depois de eleitos, fazem o que bem entendem em nome do eleitor. O último no parlamento que disse que na casa do povo é a vontade do povo que impera – lembrar Ibsen Pinheiro às vésperas do impeachment de Collor – teve triste fim.

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