Mamão transgênico

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama acaba de conceder a primeira licença envolvendo organismos geneticamente modificados, os transgênicos, no Brasil. Trata-se de um tipo de mamão desenvolvido por técnicos da Embrapa de Cruz das Almas, na Bahia. O novo mamão é resistente ao vírus da mancha anelar ou mosaico do mamoeiro, cujo controle hoje é feito apenas de forma preventiva, isto é, com o corte das plantas em toda a área afetada ou suspeita.

A notícia foi dada pelo presidente do Ibama, Marcus Luiz Barroso, tendo ao lado a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues. “Algumas áreas colocam o Ministério do Meio Ambiente como contrário aos alimentos geneticamente modificados” – disse Barroso, para acrescentar que acontece o contrário: “O Meio Ambiente quer dar legalidade aos experimentos através dessas licenças, com base altamente científica e facilitadora do progresso da ciência”.

A liberação do mamão transgênico acontece num momento de turbulência em todo o Brasil, motivada pelas opiniões divergentes acerca dos alimentos geneticamente modificados. As divergências acontecem no alto escalão do governo, no meio político e até no meio científico, e já começam a causar problemas de natureza econômica. Um grupo de ONGs – organizações não-governamentais – endereçou ao governo documento em que condena a recente portaria 131, assinada pelo vice-presidente da República, permitindo o plantio de soja transgênica de forma provisória. A decisão, segundo argumentam os ambientalistas de plantão, “coloca em risco a sustentabilidade do País”. A transgenia virou motivo de apoio (ou condenação) a ministros e também de desfiliação partidária, como foi o caso de Fernando Gabeira.

No Paraná, a decisão de transformar o Estado numa ilha (território livre de transgênicos) já está causando as primeiras conseqüências. Caminhões carregados de soja vinda de Mato Grosso em direção a Paranaguá são brecados na fronteira. Não têm documento que certifique se a soja é ou não transgênica. Sem isso, não circulam pelas estradas do Paraná, nem que seja em direção ao mar. Há prejuízos e inconformismo entre os caminhoneiros, pegos de surpresa já em viagem.

Enquanto em Brasília o debate se arrasta em busca de uma decisão que não vem, cada um é refém de suas próprias armadilhas. Já se rotula como crime contra a humanidade a liberação de monocultura (soja, por exemplo) na Amazônia, paraíso da biodiversidade pirateada. Que acontecerá quando aqui chegar o mamão baiano, lisinho, bonito e gostoso, mas com as marcas do laboratório da Embrapa impressas nos certificados de origem? Ficará também na fronteira, apodrecendo ao tempo? Até quando o Paraná conseguirá ser esta ilha que imagina?

Segurança alimentar é um tema moderno, atual e cuja importância é cada vez maior para a sociedade urbana e rural do planeta. Os embates e contradições que começam a aparecer num Brasil alheio a isso durante séculos tendem a recrudescer na mesma proporção da demora, por parte do governo, na tomada de uma decisão firme, objetiva, nacional, inteligente e abrangente. Principalmente que tenha bom senso e que respeite a nossa realidade, sem sacrifícios inúteis como este a que são submetidos os caminhoneiros na fronteira. O exemplo do mamão baiano modificado pela Embrapa é apenas um pequeno exemplo do quanto pode a ciência em nosso benefício, numa área em que está quase tudo ainda por fazer. E será um grande teste para esse produto que é exportado mais que aqui consumido: com a mancha anelar ou com a marca da Embrapa, a escolha é de quem compra. Ou de quem come. Quando se sabe que o problema principal está na questão comercial, proibir é medieval. Viva a pesquisa séria e a serviço da humanidade.

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