Mais que uma festa

De Garanhuns, no agreste pernambucano – assim como de outras partes do Brasil e até de fora -, chegam caravanas a Brasília para a solenidade de posse do novo presidente da República neste primeiro dia do ano 2003. Além do réveillon, a capital, repleta de gente, é palco de uma festa cívica sem precedentes, onde pobres, remediados e trabalhadores de todos os matizes se misturam a graduados servidores e oportunistas de sempre. O Brasil respira clima de esperança que se funde ao processo inevitável do início da cobrança por dias melhores prometidos nas sucessivas campanhas realizadas, ora com dedo em riste, ora com paz e amor, desde 1990.

Será, assim, mais que uma festa. Como em campeonato de futebol, é quase uma desforra. Dos pronunciamentos de trabalhadores calejados brotam orgulhos não sabidos, manifestados em meio à revelação de sonhos de difusa promissão, que se baseiam na premissa de um igual, companheiro e amigo no mais alto posto do poder temporal da República. A estrela de Luiz Inácio Lula da Silva, até aqui apenas solitária e vermelha, ganha a faixa verde-amarela da bandeira nacional. A espinha dorsal do País, inclinada para a esquerda, é pura emoção.

Neste último dia do ano e da longa era Fernando Henrique Cardoso, entretanto, é preciso um pouco de reflexão para entender melhor esse momento de comemoração e de expectativa de mudança. Principalmente porque, a despeito da festa de posse anunciada, não há muito que comemorar: a inflação – todo mundo vê e sente – está de volta, a carga tributária aumenta, as dificuldades são anunciadas em conferências de imprensa, enquanto o mundo ao redor é um barril de pólvora prestes a estourar. Os brasileiros sabem que o Brasil não é uma ilha.

A esperança até aqui distribuída por Lula, portanto, é apenas uma promessa de difícil realização. Mesmo na contramão, isso é preciso que se diga desde logo: quase impossível. Ele próprio tem mudado o discurso, já antevendo que quatro anos pode ser tempo curto demais para a realização da ingente obra que desenhou nos palanques. E se assim fala em tempo de lua-de-mel com o eleitorado, que pronunciará daqui a seis meses só o tempo dirá. Reformar a Previdência falida, o sistema tributário embaraçado, o Judiciário ensimesmado; revogar um modelo de direitos e deveres trabalhistas ultrapassados, varrer o corporativismo do meio sindical; reformar o sistema político e, de quebra, consolidar a reforma agrária – são todas tarefas tão difíceis quanto essa primeira de dar de comer três vezes ao dia a todos os brasileiros, juntamente com a garantia de trabalho, saúde, escola, de moradia e de segurança.

Pensando bem, neste primeiro do ano, da posse do novo presidente e dos novos governadores, o melhor de tudo é mesmo brindar. Aos que se vão, já que não foram tão ruins assim e poderiam ter sido piores. Aos que chegam, sobre cujos ombros são depositadas esperanças e frustrações, mas que são tão humanos quanto nós, que também merecemos o nosso próprio respeito e consideração. Feliz ano novo. Feliz novo governo.

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