Lula visto de longe

A eleição de Lula foi aplaudida em todo o mundo. A ascensão à presidência do maior país da América Latina e um dos maiores do mundo, com uma população próxima dos 180 milhões de habitantes, de um homem vindo das classes mais humildes, foi apreciada como um evento heróico. E uma reviravolta, porque os países latino-americanos sempre foram vistos como redutos de governos burgueses, oligárquicos, quando não dominados por ditaduras sustentadas pela força das armas. Lula não era nenhum arremedo populista, mas um político do povo. Ex-operário, líder sindical, socialista, fundador do Partido dos Trabalhadores, sempre pregou uma modificação profunda no quadro de injustiças sociais do País. Quadro perverso, nada diferente do existente na maioria dos países em desenvolvimento, em particular os deste continente. Eleito pela maioria absoluta dos brasileiros, sua ascensão ao poder foi uma verdadeira revolução. A sociedade brasileira teria perdido o “medo de ser feliz”.

Ao verificar-se que as pesquisas o apontavam como futuro presidente, houve um frenesi no mercado. Temores tomaram conta de investidores e credores, o que ocasionou inconvenientes e intensas tempestades alterando os índices bursáteis, as taxas de juros, os fluxos de capitais, as cotações do dólar. A turbulência foi tão grande que até o governo que Lula iria substituir, seu adversário, teve de sair por aí defendendo-o como sendo uma sólida promessa democrática.

Esse mesmo mundo que aplaudiu a eleição de Lula, hoje vê o seu governo com olhos críticos, o que também acontece aqui dentro. Como as críticas internas podem ser influenciadas por interesses contrariados ou posições partidárias ou ideológicas diversas, sempre é bom dar atenção ao que se comenta e publica sobre o nosso governo lá fora. Em especial quando se trata de críticas honestas, isentas, como a que acaba de publicar o jornal espanhol El País, a partir de informações de seu correspondente. O jornal europeu lembra que no último dia 31 “o Brasil fez um exercício de memória para lembrar os 40 anos da malfadada ditadura militar que durou duas décadas” e comemorou o país democrático que hoje temos.

Mas, diz o jornal, o problema é como este país-continente, cuja distribuição de renda é a mais injusta do planeta, pode fazer crescer sua economia para que 40 milhões de cidadãos que ainda vivem abaixo do nível de pobreza possam se integrar ao sistema. Com Lula, eleito por 52 milhões de eleitores, “a esperança venceu o medo”. Veio a receita petista de “construir um Brasil novo e diferente”. E, para começar, um país em que “todos possam comer três vezes por dia”, como sonhou Lula, que desejava um “novo modelo econômico”. Ele se propunha a rechaçar a “herança maldita” que teria recebido de seus antecessores. Pouco a pouco, Lula foi percebendo que ninguém pode pedir milagres. “Não sou Deus”, desculpou-se, para admitir que a felicidade de um presidente só existe “do momento da vitória até a posse”. Depois, “tudo são amarguras”.

E essas amarguras são listadas pelo jornal espanhol, lembrando, dentre elas, que nem a fome foi debelada nem se criaram dez milhões de empregos, como prometido. Esta a nova visão honesta do Brasil, tomada de longe, do exterior. Ela nos serve como chancela para a visão crítica que já surge aqui, inclusive dentro do próprio governo Lula.

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