Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e George W. Bush encontram-se amanhã (6) em Brasília, no momento em que enfrentam as piores crises em seus governos, com a improvável missão de relançar um diálogo bilateral, que até agora tem se caracterizado pelas boas intenções nas declarações e superficialidade nas ações. Bush, que será recebido na Granja do Torto, vem retribuir a visita de trabalho que Lula lhe fez em junho de 2003. Na ocasião, os dois anunciaram que aprofundariam as relações bilaterais, investindo na cooperação em setores específicos.
Desde então, a relação se intensificou na área macroeconômica e o Brasil ganhou reconhecimento ao assumir o comando da força de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti. Mas o diálogo mostrou-se inócuo e parou noutras áreas. Tornou-se difícil em temas políticos regionais e globais, como a Venezuela e a reforma do Conselho de Segurança da ONU.
Na sexta-feira, dois dias depois de o jornal O Estado de S. Paulo publicar entrevista em que Bush disse que Lula ocupa "posição única" entre líderes da região para promover os valores da democracia na América Latina, o chanceler Celso Amorim afirmou que não interessa ao Brasil "se arvorar como mediador" na briga entre Bush e o presidente venezuelano, Hugo Chávez. Ciente do incômodo que os elogios do líder direitista americano ao presidente esquerdista do Brasil causam nos petistas, ele lembrou que o Brasil respeita a tradição de não interferir em assuntos internos dos países.
"São governos de países maduros, adultos, e ambos amigos do Brasil. Quando pudermos, ajudaremos no diálogo. Mas sem nos meter a dizer como as coisas têm de ser resolvidas", disse. "Contribuir para o diálogo é tudo o que podemos fazer quando as partes desejarem."
A cautela de Amorim foi bem recebida por seu colega venezuelano, Alí Rodríguez. Indagado sobre a eventualidade de o Brasil ser um facilitador entre Washington e Caracas, Rodríguez mostrou pouco entusiasmo: "Numerosas personalidades nos EUA, inclusive senadores, tentaram contribuir para esse diálogo. Todos fracassaram."
Amorim descreveu o encontro de amanhã como uma conversa entre dois líderes pragmáticos. O pragmatismo sugere que tentarão recuperar quase três anos de oportunidades perdidas num diálogo que teve vários momentos de tensão, especialmente em torno de negociações comerciais, e poucos resultados práticos. Várias iniciativas americanas ficaram sem resposta do Itamaraty. "Não há conexão", reclamou o embaixador John Danilovich, que deixa hoje o posto.
Frustrada com o Itamaraty, a Casa Branca chegou a tentar criar um canal de comunicação próprio com o Planalto em 2004. O então ministro José Dirceu embarcou no projeto e articulou a bem-sucedida visita da secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, a Brasília.
O empenho dos EUA foi reiterado com as visitas do secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, do ex-representante de Comércio, Robert Zoellick, do secretário do Tesouro, John Snow, e, em 2004, do antecessor de Rice, Colin Powell. "Os mais importantes membros do nosso governo vieram ao Brasil, e agora Bush. Não podemos fazer melhor do que isso", disse Danilovich.
Brasil e EUA têm vários interesses em comum. São aliados por exemplo, na luta pela redução de subsídios agrícolas na União Européia. Mas a negociação de um acordo de livre comércio entre EUA e Mercosul só seguirá adiante após a superação dos impasses da Rodada de Doha.


