Lula e as greves

A gente vê as coisas de acordo com os óculos que usa. O presidente Lula, quando dirigindo sindicatos de metalúrgicos e à frente de movimentos grevistas, tinha uma visão diversa da que tem hoje, como presidente do País. Como chefe da nação, interessa-lhe a indústria funcionando, produzindo, empregando e, se possível, melhorando salários. A paz nas relações de trabalho significa, para o seu governo, menos problemas e desejadas soluções.

Depois de ter assumido a Presidência da República e após conhecer o funcionamento do sistema sindical de alguns países adiantados, chegou a fazer um discurso em que recomendava aos trabalhadores uma mudança radical de mentalidade. O trabalhador como um partícipe do desenvolvimento, associado ao capital, quando não dono de uma parte dele, buscando produção e lucros e não paralisações. Inspirava-se no sindicalismo que se faz em alguns países europeus, em especial na Alemanha, onde trabalhadores organizados não são só sócios das empresas em que trabalham, mas também de outras. E algumas categorias controlam indústrias, empresas comerciais e até bancos. O capitalismo socializado em que o mercado de capitais, pelo menos teoricamente, iguala o operário ao magnata, dando a ambos a possibilidade de ser dono de um pedaço de uma ou mais empresas. A diferença está no tamanho desse pedaço, mas grandes sindicatos podem até deter a parte maior. Lula falou em novo sindicalismo, de resultados, sem greves (se possível) e buscando evitar conflitos entre o capital e o trabalho.

Acontece que, a menos de um ano do governo Lula, os metalúrgicos, sua categoria – aquela onde surgiu como líder -, entraram em greve, paralisando diversas fábricas. O discurso de Lula foi apenas retórica, pois o direito de greve é uma conquista de que não se abre mão sem compensações suficientes. É a reação extrema dos trabalhadores à negativa de merecidas melhorias salariais ou, como aconteceu agora, ao achatamento salarial que todas as estatísticas revelam.

Lula mudou de palanque. Aproveitou a realização no Brasil da reunião da Internacional Socialista para tentar capitalizar para seu governo e para o PT, embora o Partido dos Trabalhadores não faça parte daquela organização internacional. E, da tribuna, prognosticou que um dia estaria de volta às portas das fábricas, liderando greves. Um discurso completamente diverso do anterior, de sindicalismo, digamos, “progressista”, sem luta de classes. E apropriado ao auditório que o ouvia, formado de forças de esquerda e nascido do marxismo-leninismo.

Ainda recentemente, vimos a posição contraditória em que pode se meter um presidente formado na esquerda e que, como Lula, enfrenta os problemas de governar um País carente de recursos e desenvolvimento. O próprio governo federal enfrentou greves, principalmente no INSS, e a reação de Lula foi ameaçar com o corte de salários dos grevistas. Castigo que há não muito tempo teria lhe embrulhado o estômago e provocado veementes protestos.

As pessoas vêem as coisas de acordo com os óculos que usam e os de Lula, no momento, são de um presidente comprometido com o capital estrangeiro (porque dele precisa), avesso às greves no e fora do governo. Mas que, se o auditório for uma Internacional Socialista ou um grupo de metalúrgicos grevistas, tem de recorrer a toda a sua oratória e eloqüência para dar a impressão de que está enxergando como se de óculos não precisasse. Como anteontem, quando chamou todos os seus antecessores de “covardes”. Lula com microfone e sem “script” é um perigo!

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