Lufada de otimismo

O governo desencadeou uma campanha para criar a auto-estima nos brasileiros. Criar, porque auto-estima sólida e permanente nunca tivemos, já que têm sido permanente o nosso atraso e constantes os nossos fracassos. Permanecemos no terceiro mundo, embora em diversos índices tenhamos números de segundo e até primeiro mundo. Mas tais sucessos alcançam uma minoria, capaz de servir para uma propaganda positiva do País, mas insuficiente para esconder os índices negativos existentes, como a miséria de mais de um terço da população.

Não chegaríamos à severidade crítica de considerar essa campanha inútil. Ela é positiva e não custa tocá-la, já que se busca a divulgação gratuita dos nossos sucessos. Temos motivos verdadeiros para nos orgulhar do Brasil. De sua imensidão de terras, de nossas matas com enorme diversidade, das águas que nos fazem o maior reservatório do mundo, de nosso futebol que exporta craques, de nosso vôlei, pugilismo e tantas outras vitórias. Sucessos que, se não fazem um povo feliz, o distraem das vicissitudes do dia-a-dia. Funcionam como circo, já que nos falta o pão.

Mas, às vezes, temos tido lufadas de otimismo porque um ou outro índice revela números positivos. Números às vezes surpreendentemente positivos, como os mais recentes resultados de nossa balança comercial. Ou o crescimento industrial, pequeno, porém constante, apesar de ameaçado pelo esgotamento de nossa capacidade produtiva.

Pinçando aqui e ali esses resultados positivos, temos chance de, através de competentes marqueteiros, fazer uma campanha de criação de auto-estima na nação. E isso é útil, na medida em que um país não se faz só com governos e, muito menos, com governos ineficientes ou indecisos sobre os caminhos a seguir. Tanto mais quando são governos lerdos, incapazes de recuperar o tempo perdido, de décadas, senão séculos.

Quem faz um país é, antes de mais nada, seu povo, e aí o ideal é que saiba escolher seus dirigentes e dar-lhes poderes, através de eleições democráticas e limpas, para fazerem o que é preciso, nem mais e nem menos. Os dados, que podem aparecer como lufadas de otimismo traduzidas em campanhas objetivando a geração de auto-estima na população, criam um ambiente positivo no mercado. É o que está acontecendo agora. O mercado financeiro elevou mais uma vez a estimativa de crescimento da economia e do superávit da balança comercial para este ano. A projeção é de que o PIB cresça 3,57% e que a balança termine 2004 superavitária em US$ 29 bilhões.

Pena que a inexperiência do governo, aliada à sua ousadia e falta de pudores para avançar no que não é seu, faz com que ocorram fatos negativos capazes de anular o entusiasmo gerado pelas boas novas. O governo anunciar, irresponsavelmente, um aumento de impostos para cobrir dívidas para com os aposentados da Previdência, quando temos uma das maiores cargas tributárias do mundo, foi uma ousadia e uma irresponsabilidade. Tanto que teve de recuar dois dias depois, em razão da revolta das classes produtivas.

A criação da auto-estima exige a constância e sucessão de fatos e perspectivas positivas. É preciso cuidar para que não se ponha tudo a perder com mancadas como essa. Precisamos de boas notícias que se repitam e não de lufadas de otimismo sucedidas por novos erros e apertos. E é ideal que se perca a mania de escusar-se culpando governos passados pelo que não se faz no presente e para o futuro.

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