Livre e não solta

Alguém já disse que este governo durante o dia usa linguagem democrática, mas à noite reúne-se em conchavos stalinistas. Trata-se, na verdade, de uma figura de retórica para traduzir, de forma compreensível, uma realidade que a cada dia mais se afirma. O autoritarismo, mesmo que camuflado em normas tidas e havidas como democráticas, já está chegando à luz do dia. A cada vez que um dos mandantes se pronuncia, sente-se um ranço de autoritarismo difícil de ser camuflado.

Quando alguém do governo comete uma irregularidade ou se sugere que a cometeu, exigem o silêncio, dão de ombros ou ameaçam os denunciantes. Quando o Ministério Público denuncia alguém do governo, ameaçam-no com a subtração de seus poderes de investigar crimes isolada ou conjuntamente com a polícia. Pensa-se em fazê-lo voltar àqueles tempos em que tinha de aguardar os inquéritos policiais para só agir depois, como se a criminalidade fosse pouca e simples para dispensar um corpo de investigadores qualificados, de nível superior, que vem para ajudar as polícias, nem sempre organizadas, eficientes e não raro desmoralizadas.

Quando a imprensa divulga suspeitas contra gente da cozinha do governo ou seus comensais, propõe-se a criação de um Conselho Federal de Jornalismo, inexplicavelmente iniciativa da própria Federação dos Jornalistas, com o entusiasmo do situacionismo. As normas contidas neste conselho e em outros instrumentos de fiscalização, organização e controle da atividade artística e intelectual vazaram. Fora de hora, saíram na internet, provocando desde logo repúdio, principalmente daqueles que serão objeto das amarras que a nova legislação possibilita. E de instituições, como a Ordem dos Advogados do Brasil, além de pronunciamentos isolados de parlamentares e ministros das cortes superiores de Justiça, além da Associação dos Magistrados do Brasil.

A censura à imprensa é uma triste lembrança dos tempos ditatoriais daqui e de todos os países do mundo que viveram ou ainda vivem regimes autoritários.

Quem tem o poder discricionário entende que é seu direito ditar aos meios de comunicação e aos jornalistas o que lhe aprouve, o que não dizer e como dizer. Omitir e mentir eram ordens que deveriam ser obedecidas. A desobediência resultava em duras penas, inclusive a prisão, e não foram poucos os casos de pena de morte.

Nós queremos para o Brasil uma imprensa livre e responsável. Livre e não solta, ou seja, ela não tem o direito de dizer ao povo o que bem entende. Deve se ater à verdade, podendo opinar. E, aí, nada a estranhar se alguém discordar, seja do público ou autoridade. Parte da nossa imprensa age com irresponsabilidade, distorcendo os fatos e não raro lançando suspeitas infundadas contra este ou aquele cidadão ou autoridade. Às vezes, faz acusações diretas e infundadas. No Brasil, a impunidade é quase que generalizada, beneficiando até ladrões do povo e assassinos. Dela se beneficiam os maus jornalistas. Mas a solução não é partir para uma legislação que permita ao governo ou outro qualquer organismo que crie, manipular os meios de comunicação, suspendendo sobre eles um cutelo ameaçador.

Existe um arcabouço judiciário e é a Justiça que deve ser o instrumento para punir, seja a empresa de comunicação que aja em desacordo com a verdade, seja o jornalista que abusa de sua liberdade, não respeitando a verdade e a liberdade dos outros. Ela deve ser acionada e as penas para o jornalismo criminosamente irresponsável precisam ser severas. Não precisamos nem queremos qualquer legislação que possa, usada por dirigentes autoritários, impor a censura aos meios de comunicação. O povo e a democracia sairão perdendo.

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