Limites à inviolabilidade do advogado e do seu escritório (I)

g11.jpgO advogado, consoante o disposto no art. 133 da CF, ?é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei?. A inviolabilidade do advogado, como se vê, está atrelada ?ao exercício da sua profissão? e aos ?limites da lei?. Ela existe porque o advogado, sem sombra de dúvida, cumpre o papel de lutar pelos direitos e garantias, sobretudo constitucionais, contra o arbítrio, principalmente do Estado.

Sabe-se que pelo seu significado constitucional e prático a jurisdição ocupa a posição de ?garantia das garantias? (porque é ela que faz das outras uma realidade). Mas sem a intervenção do advogado essa garantia seria drasticamente reduzida, isto é, não passaria de uma promessa vaga sem qualquer possibilidade de concretização. Se de um lado é certo que o advogado não deve nunca defender privilégios, não menos verdadeiro é que jamais deve evitar esforços para que sejam respeitados os direitos e garantias fundamentais contemplados na CF.

Para que o advogado cumpra seu papel a CF dotou-lhe de certas prerrogativas. Sublinhe-se, entretanto, desde logo, que não se trata de prerrogativas ou inviolabilidades absolutas. Há limites. O primeiro conjunto normativo que regra e ao mesmo tempo limita a profissão do advogado vem dado pelo próprio Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994), que assegura, na esfera criminal por exemplo, a imunidade material em relação aos delitos de difamação e injúria (quanto ao desacato, como se sabe, o STF concedeu liminar para suspender a validade do texto legal). No exercício da profissão o advogado conta com a chamada imunidade judiciária, não respondendo criminalmente, em princípio, por difamação ou injúria.

De outro lado, enquanto não são ultrapassados os limites do exercício da profissão, força é convir que a inviolabilidade citada não alcança somente os atos e manifestações do advogado, senão também seus meios de atuação. O local de trabalho, seu escritório, arquivos, pastas, computador, correspondências etc., tudo isso está protegido pelo sigilo profissional. A confidencialidade que existe entre o cliente e o advogado não teria sentido prático algum se não fosse protegida pelo sigilo. De qualquer modo, também esse sigilo não é absoluto.

Em duas situações (pelo menos) o escritório do advogado pode ser objeto de busca e apreensão: (a) quando o advogado é o investigado (nesse caso, claro, ele não está no exercício da profissão); (b) quando nele se ingressa para apreender documento que constitua ?elemento do corpo de delito? (CPP, art. 243, § 2.º), delito esse praticado pelo advogado ou por qualquer outra pessoa (que seja seu cliente).

Quando o advogado concorre para a prática de atos ilícitos ou quando exerce sua profissão criminosamente, não há dúvida que pode ser objeto de investigação. Ele não conta com imunidade absoluta. Atos contrários ao exercício da profissão não são atos acobertados pela inviolabilidade da profissão. De qualquer modo, quando se investiga o advogado, jamais qualquer cliente pode ser prejudicado ou afetado.

Todo mandado de busca de apreensão, conseqüentemente, para que não seja expressão de abuso, facilmente reconduzível ao patamar da prova ilegítima, não está sujeito só aos limites formais atinentes à competência para sua expedição, à atribuição para seu cumprimento etc.. O mandado de busca e apreensão, ademais, está ainda adstrito a duas individualizações absolutamente necessárias: (a) a subjetiva (quem é a pessoa ou pessoas investigadas) e (b) a objetiva (qual é o fato objeto da investigação).

O denominado mandado de busca ?genérico?, que não se preocupa com tais individualizações, gera não somente ilegalidade senão também a própria ilegitimidade da prova. A diferença entre ?invasão? de um escritório e a verdadeira e incensurável ?busca e apreensão? está na sua legalidade ou ilegalidade. Não se trata de exigir, quanto à individualização subjetiva, que do mandado conste o nome completo, qualificação integral, dados minuciosos da pessoa investigada. Não é isso. Quando impossível a descoberta de tais detalhes, deve-se identificar a pessoa pelos seus dados mínimos (nome ou pré-nome ou apelido etc.). No que se relaciona com a individualização objetiva, é mister que o fato criminoso investigado seja apontado no mandado.

Por que toda essa preocupação, aparentemente excessiva, burocratizadora e desnecessária? É que no escritório de todo advogado existem documentos e papéis de centenas ou milhares de clientes. Todos estão protegidos pelo sigilo. Nenhum pode ser objeto de apreensão, salvo se constituir ?elemento do corpo de delito?. E para se saber se um determinado documento é ou não ?elemento do corpo de delito? claro que se deve antes ter ciência de qual delito se trata. Se o mandado de busca e apreensão não individualizou o fato criminoso investigado, jamais seu executor vai poder delimitar sua atuação. Diga-se a mesma coisa quando o mandado não tenha individualizado o investigado.

Se a busca se volta contra o advogado, somente documentos dele e pertinentes ao fato investigado é que podem ser apreendidos. Nenhum outro mais, porque protegido pela confidencialidade e sigilo. Se é um cliente do advogado que está sendo objeto de investigação, somente documentos dele e relacionados com o fato em apuração é que podem ser apreendidos. Limites legais e constitucionais, como se vê, alcançam não somente a inviolabilidade do advogado (e do seu escritório), senão também a própria atuação estatal na busca de provas para a comprovação de um fato punível. Como o executor poderá delimitar sua ação quando não sabe com precisão quem é a pessoa investigada e/ou qual é o fato investigado?

Não é preciso (e é desarrazoado exigir) que do mandado conste o nome completo, qualificação, idade, local de nascimento etc. do investigado. Isso é exagero. De outro lado, jamais se pode exigir que o mandado defina, de pronto, qual ou quais documentos serão apreendidos. Isso é absurdo! O juiz não tem bola de cristal para saber, de plano, qual ou quais documentos serão úteis e necessários para a comprovação ?do corpo de delito?.

A razoabilidade exige, em suma, pelo menos, duas coisas: (a) individualização da pessoa investigada assim como (b) do fato criminoso que está em apuração. A partir do cumprimento desses dois requisitos básicos torna-se possível executar fielmente o mandado de busca, sem incorrer na ilegitimidade da prova.

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito penal pela USP, secretário-Geral do IPAN (Instituto Panamericano de Política Criminal), consultor e parecerista, fundador e presidente do PRO OMNIS-IELF (Rede Brasileira de Telensino – 1.ª do Brasil e da América Latina www.telensino.com.br

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