A interpretação isolada das Leis denominadas de Refis I (n.º 9.964/2000) e Refis II (n.º 10.684/2003), especialmente no aspecto de autorizar, ou não, o parcelamento dos débitos oriundos de omissão no recolhimento de contribuição previdenciária, assim como a incidência, ou não, dos efeitos penais àqueles que optaram pelo Refis I e não aderiram ao Refis II, independentemente da origem da dívida, tem levado nossos juristas a, muitas vezes, laborarem em equívocos quanto à conclusão à aplicação destas normas.

Somente uma interpretação sistemática das duas normas, considerando todas as disposições legais nelas contidas, além dos princípios jurídicos de direito penal que possam abarcar a análise da matéria, pode dar uma resposta mais científica às indagações que vêm surgindo.

Esta necessidade surge porque as duas leis contém disposições que, se de um lado não se contrapõem-se, também não se completam, estando estas duas em vigor, onde em algumas questões uma é mais favorável aos inadimplentes, que a outra, tanto no aspecto penal quanto administrativo e tributário.

No aspecto tributário a lei do Refis I autorizou o parcelamento da dívida, não em número de prestações, mas sim “em função de percentual da receita bruta” auferida pela empresa, no mês imediatamente anterior ao pagamento. Neste particular a opção ao programa governamental pode ser mais favorável ao contribuinte inadimplente, comparado ao Refis II, que exige a fixação do número de prestações e respectivos valores, quando a empresa estiver passando por falta de liquidez.

Ainda no campo do direito administrativo tributário o Refis II é completamente desfavorável ao devedor de contribuições previdenciárias descontadas dos empregados, se considerarmos que o veto Presidencial ao art. 5.º, § 2.º, que autorizava o parcelamento desta modalidade de dívida fiscal, tornou inaplicável todos os benefícios penais desta lei a tais devedores. Já o Refis I autorizou expressamente esta modalidade de negócio jurídico, sendo por isso, mais favorável.

No campo penal verifica-se que a Lei do Refis II é mais favorável aos inadimplentes, em relação ao Refis I, na medida em que confere os efeitos processuais penais e penais materias, aos parcelamentos, independentemente da época que foram pactuados, enquanto a primeira norma confere tais benesses apenas quando esta modalidade de transação tiver ocorrido até o recebimento da denúncia.

Interpretando conjuntamente estas duas normas, assim como aplicando os princípios de direitos relacionados com a espécie, podemos visualizar algumas conclusões.

No aspecto tributário administrativo, como já vimos, a lei do Refis I autorizou o parcelamento de todos os débitos fiscais, inclusive aqueles originários de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias, vindo a lei do Refis II, apesar do veto presidencial atrás indicado, autorizar que:

“Os débitos incluídos no Programa de Recuperação Fiscal – Refis, de que trata a Lei n.º 9.964, de 10 de abril de 2000, ou no parcelamento a ele alternativo, poderão, à critério da pessoa jurídica, ser parcelados nas condições previstas no art. 1.º, nos termos a serem estabelecidos pelo Comitê Gestor do mencionada Programa.”

O referido artigo primeiro e parágrafo primeiro dispõem que:

“Os débitos junto à Secretaria da Receita Federal ou Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, com vencimento até fevereiro de 2003, poderão ser parcelados até cento e oitenta prestações mensais e sucessivas.

O disposto neste artigo aplica-se aos débitos constituídos ou não, inscritos ou não como Dívida Ativa, mesmo em fase de execução fiscal já ajuízada, o que tenham sido objeto de parcelamento anterior, não integralmente quitado, ainda que cancelado por falta de pagamento.”

Ora, pelos dispositivos legais atrás transcritos fica claro que a Lei do Refis II, expressamente autorizou a aplicação das regras contidas nesta norma a todos os débitos incluídos no Refis I.

E quais são os débitos fiscais incluídos no Refis I?

São todos aqueles “decorrentes de débitos de pessoas jurídicas, relativos a tributos e contribuições, administrados pela Secretaria da Receita Federal e pelo Instituto Nacional de Seguro Social – INSS, com vencimento até 29 de fevereiro de 2000” (art. 1.º, da Lei n.º 9.964/2000).

Assim, como pretender-se que há vedação ao parcelamento de dívidas fiscais que encontram-se relacionadas no Refis I, como possível de parcelamento, se a própria lei que instituiu o Refis II, expressamente, ressalta que eles poderão ser parcelados nas condições previstas nesta norma.

Com a devida venia àqueles que pensam em sentido contrário, não vemos como possa haver interpretado de forma diversa da prevista na lei do Refis II, cabendo neste particular ressaltar que além da previsão expressa, cuida-se de norma mais benéfica ao acusado no aspecto penal, incidindo o princípio da retroatividade desta modalidade de lei.

Quais então seriam os efeitos penais segundo esta conclusão?

1. No caso do devedor inadimplente haver optado pelo Refis I, estando ele, ou não, cumprido a obrigação assumida, terá direito ao parcelamento segundo as regras postas para o Refis II, ainda que se cuide de contribuições sociais descontadas dos empregados, e mesmo que tenha sido cancelado o acordo por falta de pagamento.

Incidindo as regras administrativas fiscais do Refis II, incidem também as de natureza processual penal e penal material, ressalvado os pontos em que for mais maléfica.

2. Tendo o devedor feito opção pelo Refis I e não havendo optado por renegociar esta mesma dívida pelo Refis II, incidem as regras deste programa, no aspecto penal e processual penal, em toda a sua amplitude, com exceção de alguns pontos onde as previsões do Refis I sejam mais benéficas aos devedores inadimplentes.

Assim, todos aqueles devedores que tenham optado pelo Refis I e estão cumprindo o avençado, independentemente da origem do débito e forma de parcelamento, recebem integralmente os benefícios processuais penais e penais materiais regulados pelo norma do Refis II, cabendo, nesta particular, ressaltar que a vedação contida no artigo 15, “caput” e § 3.º, da Lei n.º 9.964/2000 (Refis I), para a suspensão do processo e extinção da punibilidade quando o parcelamento tivesse ocorrido após o recebimento da denúncia, foi revogada pela Lei n.º 10.684/03 (Refis II), porque o seu artigo 9.º não faz qualquer restrição neste particular, incidindo o princípio da lei nova mais benéfica.

3. Já na hipótese dos devedores inadimplentes de dívidas fiscais relacionadas como pacíveis de parcelamento pelas regras do Refis I, e que não tenham optado por esta programa, e agora tenham feito opção pelo Refis II, ainda que se cuide de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias descontadas dos empregados, apesar da falta de previsão expressa nesta norma autorizando o parcelamento desta modalidade de débito, tais devedores ainda assim têm direito, tanto ao parcelamento quanto aos efeitos penais desta lei.

Esta conclusão extrai-se de uma análise sistemática e lógica das duas normas, podendo ainda ser invocado o princípio da isonomia (artigo 5.º, “caput”, da CF) e proibição de tratamento tributário diferenciado (art. 150, inciso II, da CF).

Ora, se o devedor optante pelo Refis I, e que tenha este benefício cancelado por falta de pagamento, tem direito aos benefícios do Refis II, conforme estabelece o art. 1.º, “caput”, deste norma, qual fundamento lógico ou legal poderá ser invocado para indeferir direito de outros inadimplentes que não tenham optado pelo Refis I. Tanto um quanto o outro são simplesmente, com a única diferença de que estes não assumiram compromisso de pagar o débito, enquanto aqueles sim. O que, pelo bom senso, se se tivesse que escolher alguém para não receber o benefício, este alguém teria que ser o inadimplente que também foi descumpridor da obrigação assumida.

No caso daqueles devedores que tiverem negado o pedido de opção ao Refis II negado, e que tinham direito de optarem pelo Refis I, deverão, através de ação civil própria, buscarem a garantia deste direito, e, uma vez reconhecido, incidem as regras do artigo 9.º da Lei do Refis II, em tudo o que for mais benéfico.

Feitas estas considerações conclui-se que as regras de direito processual penal e penal material previstas no artigo 9.º da Lei do Refis II, tem incidência em todos os parcelamentos admitidos, tanto no que respeita a esta modalidade de opção quanto aquela relacionada no Refis I, não mais existindo a estas relações jurídicas o impedimento de aplicação destas regras aos delitos cujos parcelamento tenham ocorrido após o recebimento da denúncia.

Jorge Vicente Silva é Pós-graduado em Pedagogia em nível superior e Especialista em Direito Processual Penal pela PUC/PR, autor de diversos livros publicados pela Editora Juruá, dentre eles, Tóxicos, análise da nova lei, Manual da Sentença Penal Condenatória. Todos os artigos deste autor no Site: jorgevicentesilva.com.br e E-mail:

jorgevicentesilva@jorgevicentesilva.com.br
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