Legislação. Está em vigor o Decreto nº 5.144/04 que regulamenta dispositivo da lei nº 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica) e estabelece procedimentos referentes às aeronaves hostis e suspeitas de tráfico de entorpecentes e drogas afins.

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Modificação. O art. 303 do Código Brasileiro de Aeronáutica foi modificado pela lei nº 9614/98 que acrescentou o § 2º cuja redação atual especifica que: "Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada" (grifo nosso).

Medidas. O atual Decreto estabelece procedimentos anteriores à destruição da aeronave classificados em ordem seqüencial de: medidas de averiguação, de intervenção, de persuasão e, finalmente, a medida de destruição.

Abate.  A medida de destruição prevista em seu art. 5º está sujeita aos requisitos estabelecidos no Decreto e consiste "no disparo de tiros, feitos pela aeronave de interceptação, com a finalidade de provocar danos e impedir o prosseguimento do vôo da aeronave hostil e somente poderá ser utilizada como último recurso e após o cumprimento de todos os procedimentos que previnam a perda de vidas inocentes, no ar ou em terra".

Hierarquia. O sistema jurídico brasileiro segue a teoria Kelseniana cujo fundamento é a ordenação lógica de todas leis a partir dos preceitos consignados na Carta Fundamental.

Inferioridade. Desta forma, os Decretos estão posicionados em nível inferior às Leis que, por sua vez, estão em situação de inferioridade à Constituição Federal tendo todos que respeitar as normas constitucionais vigentes.

Ofensa. Entendemos que, sendo o Código Brasileiro de Aeronáutica anterior à Constituição Cidadã de 1988, os artigos que prevêem os procedimentos relacionados às aeronaves hostis e suspeitas de tráfico não foram recepcionados por esta, enquanto que os artigos da Lei 9614/98 e do Decreto 5144/04 aqui mencionados são inconstitucional e ilegal respectivamente, já que todos ofendem princípios constitucionais importantes.

Constituição. O art. 4º da Lei Máxima Brasileira prevê que o Brasil reger-se-á nas suas relações internacionais segundo princípios, dentre eles: a prevalência dos direitos humanos (inciso II), a defesa da paz (incisoVI) e a solução pacífica dos conflitos (inciso VII).

Hermenêutica. A moderna hermenêutica constitucional entende que os princípios têm primazia, pois determina que, em caso de contradição entre normas constitucionais ou havendo conflito entre elas e as normas infra-constitucionais, a solução do caso concreto deve privilegiar os princípios uma vez que são a base de todo ordenamento jurídico e têm hoje, natureza jurídica de normas constitucionais.

Ponderação. Outra regra de hermenêutica constitucional é a ponderação de interesses que consiste em método importante para a coalisão entre princípios cuja busca é alcançar ponto de equilíbrio de modo a restringir o menos possível bens jurídicos de estatura constitucional.

Razoabilidade. A lógica da ponderação é a do razoável e não a do mecanicismo cartesiano, principalmente, porque questões principiológicas envolvem sempre questões e valores humanísticos.

Supraprincípio. A Constituição Brasileira diversas vezes estabelece como objetivo principal do Estado Democrático de Direito, a concretização da dignidade humana que demonstra maior valor dado a este princípio, o que Daniel Sarmento denomina de "valor humanístico superior, subjacente à ordem constitucional" (Sarmento, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Ed. Lumen Júris; Rio de Janeiro; RJ; 2003; p. 57).

Definição. Historicamente, o conceito de dignidade da pessoa humana tem sido o pressuposto do constitucionalismo e possui características de dinamismo e perenidade, tendo variado bastante de acordo com as próprias mudanças que afetaram a sociedade (Op.; Cit.; p. 66).

Proporção. Hoje, cada vez mais, é importante haver o equilíbrio entre a proteção da dignidade humana e da vida em relação à segurança e repressão ao crime organizado.

Versatilidade. A proteção dos direitos fundamentais é dinâmica, ágil e histórica. Contradição. Nossa Constituição, marco importante no processo de redemocratização e de proteção dos direitos essenciais do ser humano, apesar de proibir a pena de morte, incoerentemente, a prevê em caso de guerra (uma ofensa óbvia à proteção do direito à vida várias vezes por ela mencionada).

Penalização. A autorização legal da derrubada de aviões suspeitos é autorização de pena de morte como sanção penal contrariando claramente a proibição constitucional.

Afronta. Assim sendo, tal legislação desrespeita claramente o que diz a Constituição Federal mais especificamente quanto aos seguintes princípios protegidos: o direito à vida, a dignidade da pessoa humana, a defesa da paz, a solução pacífica de conflitos, o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa, a proibição da pena de morte ou pena cruel, a presunção de inocência.

Belicismo. Não bastasse a "Lei do Abate" ser inconstitucional é, fundamentalmente, desumana, pois reflete ideologia bélica, de profissionalização e legalização do homicídio, justificado pela ação estatal.

Antieticidade. Trata-se de licitude da obrigação de matar: atitude antiética e desumana. Nada justifica retirar a vida de alguém. É um retrocesso às penas medievais capitais.

Eufemismo. A lei apresenta "eufemismo armamentista": o Estado Brasileiro objetiva promover a paz e promulga uma lei que é uma verdadeira "douração de pílula belicista" (Vieira, Waldo. Conscienciograma. IIPC, Rio de Janeiro, RJ, 1996, p. 227).

Respeito. Não estamos defendendo as ações ilícitas, antiéticas ou, até mesmo, aéticas, mas pretendemos garantir que elas deixem de existir concomitantemente com o respeito à vida e o não estímulo a atitudes belicistas sob a pretensa lógica de proteção estatal, da segurança ou da soberania, o que leva, em casos extremos, a justificar guerras e matanças inúteis e desrespeitosas que só retro-alimentam ódios, preconceitos e desrespeitos ao ser humano.

Adriana de Lacerda Rocha é doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA- Universidad Del Museo Social Argentino, Mestre em Direito Constitucional pela PUC-RJ e professora universitária. Atua também na condição de advogada voluntária do Conselho Internacional de Assistência Jurídica da Conscienciologia ? CIAJUC e é coordenadora da Assessoria Jurídica da OIC – Organização Internacional de Consciencioterapia em Foz do Iguaçu-PR. Autora de vários artigos e do livro "Autonomia Legislativa Municipal"Ed. Lumen Juris.

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