Kirchner e Lula

Quando do início da campanha eleitoral na Argentina, pesquisas revelaram que se Lula fosse candidato à presidência da República do país vizinho, seria eleito. Seu prestígio entre os argentinos resultava de seu populismo, de suas posições ideológicas de esquerda enquanto em campanha eleitoral e da política econômica que dele se esperava. Lula seria uma barreira a resistir ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e suas receitas; líder de uma resistência aos Estados Unidos e ao seu protecionismo em relação às nossas exportações; e, um presidente desobediente ao capitalismo internacional e à globalização. Seria também um crítico severo das privatizações realizadas no governo Fernando Henrique Cardoso, disposto a revê-las e, quem sabe, reestatizar muitas empresas que foram governamentais e hoje estão em mãos de particulares, muitos deles grupos estrangeiros.

Pois o Lula do palanque é o presidente Nestor Kirchner de hoje, o que não significa dizer que o presidente eleito no país vizinho está certo e o nosso errado. Kirchner tem se atrevido a fazer críticas até públicas ao governo Lula, condenando sua aproximação com os Estados Unidos e com os organismos multilaterais de crédito, a começar pelo FMI. Condena a condescendência do novo governo brasileiro com as empresas privatizadas e até promete reestatizar, na Argentina, as que lá passaram do governo a mãos particulares.

Tomou uma medida ousada no mercado financeiro, passando a controlar as entradas de capitais estrangeiros na Argentina. Seleciona-os e barra o ingresso dos especulativos, medida que aqui chegou a ser sugerida, mas nunca seriamente cogitada. E tem criticado a política do governo brasileiro de manter elevadas as taxas de juros.

O governo Lula, que pretendia ser de esquerda, hoje é visto pelo da Argentina como de centro ou mesmo de direita. E de esquerda se mostra o de Kirchner.

No trato com as massas, ambos os presidentes são parecidos. Muitos apertos de mão, muitos beijos, largos sorrisos e constantes aventuras no meio do povo, para desespero dos serviços de segurança. Na Argentina, o motivo é claro. As eleições nos níveis menores de governo se realizarão ainda neste ano. No Brasil, os prefeitos só serão eleitos no ano que vem. Mas é certo que esse estilo simpático de se confraternizar com as massas, pelo menos no caso de Lula, é natural. O paradoxo é que o Lula que os argentinos aplaudiam e admiravam era um líder de esquerda e o que seu presidente critica tem diversa posição ideológica. E o presidente Kirchner que elegeram, com dúvidas sobre como seria, é que se tem demonstrado de esquerda, com posições semelhantes às pregadas pelo novo presidente brasileiro, enquanto candidato.

Nada disso importaria, não fossem Brasil e Argentina sócios no bloco econômico Mercosul. E os seus dois maiores membros. Ao percorrerem caminhos diversos, seus governos arriscam os objetivos do bloco, em especial os econômico-financeiros e comerciais. E arriscam também no campo político, pois o presidente argentino tem sido franco, senão atrevido, ao criticar Lula ou afirmar seu desacordo com as políticas que o nosso presidente pratica no Brasil. O Mercosul, bloco para o qual já sonham moeda única, parlamento próprio e uma série de unificações que só agora, depois de mais de uma década, vêm sendo conseguidas pela União Européia, não agüenta um cabo de guerra em que o presidente da Argentina puxe para um lado e o do Brasil para o outro.

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