Juventude lembra Guevara, Gandhi e Bolívar em Porto Alegre

Sentados sobre um trapo de pano xadrez preto e branco, seis jovens ouviam hoje, por volta do meio-dia, o índio maia Vento Elétrico (nascido Oscar, no México) falar sobre a purificação para liberar as cargas negativas do corpo. “Se vem a tormenta, tem que ficar calmo. Tudo vem e tudo vai”, ensinava aos rapazes e moças de várias nacionalidades, entre eles o brasileiro Eduardo Bernejo, de 20 anos, que deixou Atibaia, no interior do Estado de São Paulo, e viajou para Porto Alegre, onde tem início, amanhã, o 3.º Fórum Social Mundial, para se encontrar com o guru.

O encontro entre os participantes do evento acontece no Acampamento da Juventude, no Parque da Harmonia, espécie de coração jovem do fórum, onde há de tudo: da paz maia ao planejamento de ações bélicas, a exemplo da saraivada de ovos podres numa loja do Mac Donald?s, no ano passado.

Desta vez, são esperados 30 mil participantes, mais do que o dobro do encontro de 2002. Por enquanto, o único protesto programado é uma passeada contra a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), a ser feita no dia 27.

Os participantes estão chegando de todos os lugares e países, principalmente da América do Sul, e instalando suas barracas tipo iglu. Eles querem fazer parte da história, como seus ídolos, expostos com estardalhaço pelas “ruas” do acampamento, elas também com nomes de personagens que deixaram a marca na luta pela mudança do mundo, bem-sucedidas ou não. Lá estão, por exemplo, as “ruas” Karl Marx, Rosa de Luxemburgo, Vladimir I. Lenin, Simon Bolívar e as “plazas” Salvador Allende e Che Guevara, entre outras.

Che, o símbolo maior que hoje ilustra boa parte das camisetas dos jovens de esquerda, é o mais lembrado. Vez por outra, há uma bandeira com seu rosto, hasteada por jovens que nem eram nascidos quando o ídolo morreu. A cigana Vera se entusiasma com um autógrafo que recebeu hoje de Aleida Guevara, médica cubana filha de Che, que está participando do Fórum Social Mundial: “Um abraço para Vera, de uma mulher cubana”. O argentino Che Guevara pensava em exportar revoluções. Não conseguiu.

O venezuelano Simon Bolivar queria fazer de todo o Mundo Novo um mundo só. Também não conseguiu. Agora, é a vez de tal pregação vir dos maias. Como num Renascimento tardio, cerca de 150 participantes do Fórum, alguns de pele clara, outros morenos ou negros, dizem que chegou a vez do seu império (arrasado pelos espanhóis no século 16). Afirmam que o calendário gregoriano cristão completou seu ciclo e não serve mais.

O grupo maia prega a unificação de todas as ciências, religião e arte e afirma que cada ser humano é a sua própria luz. Eles decidem acampar num bosque, mesmo que esse bosque seja feito a partir de galhos de árvores que secaram rapidamente no calor de Porto Alegre.

Vizinhos dessa babel estão oito rapazes do interior do Rio Grande do Sul que acabam de lançar a idéia de voltar à Idade Média, aos cavaleiros templários, “à tribo niii”. Se dizem completamente contrários ao capitalismo e à Alca, “que poderá produzir novos imperadores”. À frente de sua barraca, exibem uma faixa com uma frase de Ghandi: “Odeio o privilégio e o monopólio. Para mim o que não pode ser dividido com as multidões é tabu”.

Vinícius dos Santos, de 17 anos, nascido em Porto Alegre, e Cristiano Luz, também de 17, percebem, de repente, que estão muito filosóficos. E avisam: “Também gostamos de mulher e de tomar cerveja”.

Do Acre, 78 pessoas tomaram um ônibus no domingo e chegaram hoje  por volta das 9 horas. Estão todos felizes, mesmo depois de três dias e três noites na estrada. Ergueram a bandeira do Acre bem na parte frontal do acampamento. Asseguram que o assassinato do sindicalista Chico Mendes ajudou a derrotar a extrema direita no seu Estado.

A uns 300 metros dali, a gaúcha de Sacramento Carla Fernandes, de 22 anos, dá papinha de batata para a filha Ana Marrela, de 11 meses, sua única companhia numa viagem de ônibus de 640 quilômetros. “Valeu a pena ter vindo, apesar de minha filha ter ficado doente”, conta.

Se os brasileiros andaram tanto, o mesmo ocorreu com chilenos, argentinos, peruanos. Os chilenos chegaram a instalar uma barraca em que o comitê central do Partido Comunista recebe todos os representantes das juventudes comunistas do país. Os argentinos mandaram mais de 1 mil participantes, asseguraram. “Tem gente de 20 das 23 províncias”, conta Adrian Mendieta, da Província de Jujuy, no norte da Argentina.

Voltar ao topo