Juros nos créditos trabalhistas e a falência

A grande dúvida hoje é se os créditos trabalhistas são ou não passíveis da incidência de juros moratórios após a decretação da falência. Tomando como base o artigo 26, da Lei de Falências, chega-se ao entendimento que não é possível a cobrança de juros de mora no processo falimentar.

Há julgados em que o Juízo aplica a Lei n.º 8.117/1991, que trata da incidência de juros sobre os créditos trabalhistas, outros utilizam a lei falimentar, limitando a aplicação dos juros de mora até a decretação da quebra. Há ainda os que excluem por completo a aplicação dos juros e, outros remetem à competência do Juízo Universal da Falência para decidir se haverá ou não a aplicação de juros sobre tais créditos.

Sob este prisma, diversas decisões têm sido proferidas, principalmente no que tange a competência para execução da sentença trabalhista. O Juízo universal da falência atrai qualquer tipo de crédito oriundo da massa falida. Por sua vez, é o Juízo Universal da massa que vai decidir se, sobre o crédito falimentar, incidirá ou não juros de mora e não o Juízo trabalhista.

O que se verifica são inúmeras discussões junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em ações de conflito de competência, levantados pelo Juízo trabalhista, que se julga competente para executar suas sentenças no caso de Rés Massas Falidas.

As dúvidas ocorrem porque não há qualquer Súmula oriunda do Tribunal Superior do Trabalho ou orientações jurisprudenciais de suas Seções de Dissídios, que vincule as decisões dos magistrados quanto à competência para execução de sentença trabalhista neste caso in concreto, bem como sobre a incidência ou não de juros sobre tais créditos.

A Lei n.º 8.117/1991 (artigo 39, caput, §§ 1.º e 2.º) trata da incidência de juros sobre os créditos trabalhistas. Alguns juristas entendem que essa lei é especial, sobrepondo-se sobre a geral (artigo 26 da Lei Falimentar). Mas aquela lei trata das Reclamadas em geral, já a lei falimentar trata dos créditos que se vinculam ao processo falimentar. É uma situação à parte, não havendo a possibilidade de se entender que a Lei 8.117/1991 é especial, com relação à lei falimentar.

Convém esclarecer que a alegação de que a empresa, em situação falimentar, não possui recursos para o pagamento de juros é dispensável, uma vez que o fato de se encontrar em situação falimentar, por si só, já é indício mais do que suficiente de que não possui condições financeiras para arcar com todos os pagamentos (principal e acessórios), e que pagará seus débitos conforme ativo liquidado.

A jurisprudência pátria se coaduna com o entendimento de aplicação dos juros somente até a decretação da falência:

24008950 – FALÊNCIA – JUROS DE MORA – LIMITAÇÃO – CRÉDITO TRABALHISTA – O Decreto-lei n.º 7.661/45 (Lei de Falências), em seu art. 26, limita a incidência de juros até a data da quebra, abrangendo, inclusive, os créditos trabalhistas[1].

30046083 JCLT.467 – MASSA FALIDA – DOBRA SALARIAL – ARTIGO 467 DA CLT – Incabível a aplicação da penalidade prevista no art. 467 da CLT à massa falida, pois, nos termos do art. 23 do Decreto-Lei n.º 7661/45 (Lei de Falências), está legalmente impedida de efetuar qualquer pagamento fora do juízo falimentar, porque não tem disponibilidade de bens e recursos para atender aos créditos, ainda que de natureza trabalhista. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MASSA FALIDA – O artigo 26 do Decreto-Lei n.º 7661/45 (Lei de Falência) determina que não correm juros contra a massa falida, mesmo estipulados, se o ativo apurado não for suficiente para o pagamento do principal. O Decreto-Lei n.º 75/66, em seu artigo 1.º, § 2.º, dispõe sobre correção monetária dos débitos trabalhistas, cuja fluência cessará a partir da data do deferimento do pedido de falência. Recurso de Revista conhecido e não provido[2].

110584 – FALÊNCIA – DÉBITOS TRABALHISTAS – A falência da empresa afasta da condenação à incidência de juros e correção monetária sobre os débitos trabalhistas, a teor do disposto no Decreto-lei n.º 75/66[3].

O entendimento do C. STJ também é nesse sentido:

COMERCIAL. FALÊNCIA. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO TRABALHISTA. JUROS. LIMITAÇÃO À DATA DA QUEBRA. DECRETO-LEI N.º 7.661/45, ARTIGO. 26.

I. Ainda que originários de débito trabalhista, os juros previstos na decisão da Justiça obreira somente fluem até a data da quebra, sendo a partir de então cabíveis apenas nos termos e condições previstos no art. 26 do Decreto-lei n.º 7.661/45.

II. Recurso especial conhecido m parte e, nessa parte, parcialmente provido.

Outrossim, ainda que se entenda que este dispositivo – art. 26 da Lei de Falências – não exclui totalmente a aplicação de juros, mas o condiciona à quitação do principal, tem-se que tal verificação somente é possível no MM. Juízo Falimentar e não pelo Juízo Trabalhista:

MASSA FALIDA – JUROS ARTIGO 26 DO DECRETO-LEI N.º 7.661/45. Os juros de mora são devidos até a data da declaração da falência. Posteriormente, sua exigibilidade fica condicionada à existência de recursos por parte da massa, após satisfeito o débito principal, segundo for apurado pelo Juízo Universal da Falência. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido[4].

RECURSO DE REVISTA. MASSA FALIDA. JUROS DE MORA. Nos termos do art. 26 da Lei de Falência e 1º, § 2º, do Decreto-lei n.º 75/66, não fluem juros sobre débitos trabalhistas da massa falida após a decretação da quebra, os quais só incidirão na hipótese de o ativo falimentar os comportar. Matéria, no entanto, afeta à competência do Juízo da falência. Recurso provido[5].

MASSA FALIDA – MULTA DO ARTIGO 477 DA CLT – DOBRA SALARIAL. É da própria Lei de Falência (artigo 23, III, do Decreto-Lei nº 7.661/45) a determinação de que as penas pecuniárias por infração das leis penais e administrativas não devem ser reclamadas na falência, razão pela qual é razoável a conclusão, por força da interpretação analógica da norma em exame, de que, igualmente, inviável se torna a cobrança da penalidade prevista nos artigos 467 e 477 da CLT, cuja natureza jurídica, em última análise, é a mesma. MASSA FALIDA JUROS DE MORA. Os juros de mora são devidos até a data da declaração da falência. Posteriormente, sua exigibilidade fica condicionada à existência de recursos por parte da massa, após satisfeito o débito principal, segundo for apurado pelo Juízo Universal da Falência. Recurso de revista provido[6].

Há de se aplicar, neste caso, o princípio da razoabilidade, pois não há a possibilidade de comprovar na ação trabalhista que o ativo apurado não bastaria para o pagamento do principal, mas somente no MM. Juízo Falimentar, no momento da satisfação de todos os créditos.

Outrossim, há de se observar, também, que a Lei de Falências, no que diz respeito aos credores, tem a finalidade de que exista tratamento igualitário, num único juízo, conforme estabelece o art. 23. Assim é o entendimento da doutrina “o credor trabalhista que tiver êxito na sua ação, deverá se habilitar na falência, observado o art. 82 da lei e se sujeitará ao rateio, na classe dos privilegiados[7]” e da jurisprudência:

“Decretada a quebra, as reclamatórias trabalhistas prosseguirão na Justiça do Trabalho, mas os atos de execução se seus julgados iniciar-se-ão ou terão seguimento o juízo falimentar, ainda que já efetuada a penhora. Aprazada a data para arrematação, no juízo trabalhista esta ali será realizada, mas o produto irá para a massa, a fim de processar-se o concurso entre os credores trabalhistas[8]”.

Destarte, o fato de todos os credores trabalhistas ratearem os valores da massa, de forma igualitária entre eles e estando no topo da cadeia de créditos falimentares como credores privilegiados, não pode privilegiar um com o pagamento de juros e correção monetária, sendo que outros créditos da mesma natureza não serão pagos com esses acessórios.

Prevalecendo a incidência de juros de mora sobre o principal, em muitos casos, haverá disparidade de tratamento, contrariando frontalmente o princípio da “par conditium omnium creditorum”. Tal distorção, fere sobremaneira o intuito da Lei Falimentar, que é estabelecer uma igualdade de credores para que ao final todos tenham seus créditos igualmente satisfeitos.

Dentro deste entendimento, há que se destacar a existência de uma isonomia a ser considerada entre os ocupantes de uma mesma categoria hierárquica, ou seja, todos os credores trabalhistas têm o mesmo direito à satisfação de seu crédito, independente da morosidade de um procedimento trabalhista em detrimento de outro.

Permitir a incidência de juros de mora, para a satisfação do crédito de um único credor trabalhista, em detrimento dos demais créditos também trabalhistas, seria contrariar o princípio cardeal do instituto falimentar; contrariar a própria Constituição em seu princípio axial, o da igualdade, ou em seu sentido mais amplo, a isonomia (artigo 5.º, CF).

Notas:

[1] TRT 15.ª R. – Proc. 25772/00 – (38809/00) – 1.ª T – Rel. Juiz Luiz Antonio Lazarim – DOESP 19.10.2000 – p. 15.

[2] TST – RR 608997 – 5.ª T. – Rel. Min. Rider Nogueira de Brito – DJU 05.05.2000 – p. 552.

[3] TRT 3.ª R. – RO 21.932/99 – 1.ª T. – Rel.ª Juíza Maria Lúcia C. Magalhães – DJMG 16.06.2000.

[4] PROCESSO: RR NÚMERO: 753639 ANO: 2001 PUBLICAÇÃO: DJ – 30/04/2004 PROC. N.º TST-RR-753.639/01.5 C: ACÓRDÃO 4.ª Turma MILTON DE MOURA FRANÇA Relator

[5] NÚMERO ÚNICO PROC: RR – 10680/2002-010-09-00 PUBLICAÇÃO: DJ – 19/03/2004 PROC. N.º TST-RR-10680/2002-010-09-00.8 C: ACÓRDÃO 4.ª Turma) MINISTRO BARROS LEVENHAGEN Relator

[6] PROCESSO: RR NÚMERO: 795103 ANO: 2001 PUBLICAÇÃO: DJ – 19/03/2004 PROC. N.º TST-RR-795.103/01.4 C: ACÓRDÃO 4.ª Turma

[7] Claro, Carlos Roberto. Lei de Falências e Concordatas. Anotada à luz da Jurisprudência. Curitiba: Juruá, 2001.

[8] STJ. 2.ª Seção, CC 10.014-3/PR, Rel.: Min. Ruy Rosado, J. em 30.11.94, v.u., DJU de 06.02.95, p. 1.295, 1.º col., em.

Daniele Cristine de Oliveira Coutinho Slivinski

é advogada trabalhista.

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