Juiz Virtual

Quem visita um museu judiciário pode apreciar, com admiração e encanto, os antigos autos, do século XIX e mesmo do XX, todos elaborados à base da pena e do tinteiro. Desenhados seria a melhor expressão. Letras cuidadosamente lançadas desde a capa até a contracapa. Um processo todo escrito à mão.

Uma revolução operacional nos serviços judiciários foi iniciada com a introdução da máquina de escrever e da tipografia. O processo continuou escrito, mas agora mais ágil, posto que datilografado e com padrões impressos. Esses novos autos imperaram nos cartórios judiciais até o fim do século XX e, apesar de não totalmente extintos, já foram, na sua maioria, substituídos pelos autos confeccionados a partir de peças digitadas, ou seja, produzidas através de programas de computador.

Uma nova realidade se descortinou com a utilização dos computadores nos trabalhos judiciários. Alguma linha a mais precisa ser dita nesse sentido? Seria possível aos juízes, aos advogados e aos promotores datilografar cada despacho ou sentença, petição ou parecer? E aos servidores do cartório ou secretaria? Há como lhes imaginar datilografando cada ofício, cada certidão ou ato processual ordinário, ou mantendo o acompanhamento processual por fichas de papel?

Sei muito bem que esse avanço gerencial do Poder Judiciário não é uniforme em todo o Brasil. Não é preciso ir muito longe para encontrar cartórios judiciais ainda movidos à máquina de escrever e a fichinhas de controle processual, obviamente na contra-mão de todos os esforços empreendidos pela administração judiciária para combater as causas da morosidade da prestação jurisdicional. Vê-se que há Brasis e há Poderes Judiciários.

Quem sabe se o inevitável Conselho Nacional de Justiça, criado pela Reforma do Judiciário para exercer o controle externo desse poder, não poderá uniformizar esse mínimo de qualidade gerencial que se espera do Poder Judiciário como um todo?

Mas mesmo com as constantes inovações tecnológicas, não se venceu o paradigma dos autos escritos, de papel e plástico, entulhando prateleiras e escaninhos, obrigando seu transporte por meios dispendiosos, sem falar dos galpões e depósitos necessariamente alugados ou comprados pelos Tribunais para arquivar os autos findos. Fazer sumir uma folha, uma prova ou um documento é obra que só depende da vontade do malfeitor. Folhas de papel, árvores e florestas consumidas para fazer girar a engrenagem da máquina judiciária.

O século XXI parece reservar, no entanto, uma terceira revolução na prestação dos serviços judiciários: a eliminação do papel, o fim dos autos escritos. Mas como então documentar os atos processuais? Através dos autos virtuais. Petições, documentos, citações, despachos, sentenças e outros atos processuais realizados todos por computadores interligados em rede ou pela internet. O advogado peticiona no computador de seu escritório, digitaliza seus documentos pelo scanner e envia tudo, pelo correio eletrônico, para o setor de distribuição do Fórum. Recebido o e-mail, a petição é encaminhada para o Juiz, através da rede interna de computadores. O Juiz despacha, então, na tela do computador do seu gabinete. A citação do réu também se faz por e-mail. A contestação é enviada, da mesma forma, para o Fórum. Se for necessária audiência, esta pode ser realizada por vídeo-conferência. O juiz sentencia no seu computador e nem precisa imprimir o texto, porque este é arquivado digitalmente. As partes são intimadas pelo correio eletrônico. Tudo sem uma folha de papel, sem um pingo de tinta, sem demora, sem gastos desnecessários. Eficiência.

Ficção científica? Não, realidade presente. O Poder Judiciário brasileiro já iniciou sua terceira revolução, antecipando-se a muitos países desenvolvidos. São as experiências pioneiras da Justiça Federal, com os autos virtuais dos Juizados Especiais Federais, responsáveis pelo julgamento de causas federais de até sessenta salários mínimos.

Na Justiça Federal da região sul (4.ª Região), o sistema de autos virtuais foi batizado como e-proc. E já está operando nas capitais e em várias cidades do interior que possuem Juizado Especial Federal. Acessando o site www.jfpr.gov.br é possível saber como funciona o e-proc na Seção Judiciária do Paraná.

Esse embrião do novo processo judicial vai crescer e se reproduzir. Certamente vai gerar medo, discussões, controvérsias, oposições, como toda mudança cultural produz. Serão necessários aperfeiçoamentos e reforços de segurança, como toda inovação requer. Mas não vejo como se possa voltar atrás. É o futuro do Poder Judiciário. É o caminho da celeridade processual, da tão almejada rapidez na prestação dos serviços jurisdicionais. Não dou dez anos para que a face do Judiciário brasileiro esteja mudada em função dos novos avanços tecnológicos.

Chegará o tempo em que os processos de papel serão apenas peças de museu, para visita dos interessados na história do Poder Judiciário. Mais importante que isso, será o dia em que apenas guardaremos na memória ou nos livros a idéia de um Judiciário lento, ineficiente e desmoralizado.

Vicente de Paula Ataide Junior

é juiz Federal em Curitiba/PR, professor da Escola da Magistratura Federal do Paraná, professor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito de Curitiba e da Universidade Tuiuti do Paraná

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