João Cid de Macedo Portugal, o juiz

Ao final do ano de 1945, restaurado o regime democrático no País com a queda da ditadura Vargas, o jovem advogado João Cid de Macedo Portugal acompanhava seu pai até o estacionamento de veículos do palácio do governo, quando foi surpreendido com o toque de corneta executado com notável perfeição pelo militar-músico de plantão. O desembargador Clotário Portugal, que havia assumido as funções de governador do Estado, recordou, na oportunidade, que a manifestação representava uma solenidade dirigida ao cargo e não à pessoa de seu pai.

Nascido em bom berço, a trajetória do desembargador, recentemente falecido, foi marcada por feitos de inegáveis realizações.

Realmente, a investidura nos cargos mais elevados constitui não somente a satisfação de mais uma etapa da carreira, como também a assunção de novas atribuições entre o Estado e os cidadãos. Herdando as esperanças que marcaram a restauração da democracia, ao final de 1945, João Cid Portugal exerceu marcante atividade que o consagrou no itinerário de lutas da instituição do Ministério Público. A dedicação integral e exclusiva de um homem fiel às suas convicções em torno do Direito e da Justiça, o habilitou para semear lealdade aos princípios que regem o Parquet e dedicação extremada às causas em que se envolveu.

O seu conceito no fórum de nosso Estado, desde o início de sua carreira até atingir o mais elevado cargo da magistratura, onde quando exerceu as mais variadas atribuições, sempre foi modelar. Vigoroso sem a paixão do fanatismo e tolerante sem o vício da omissão, João Cid Portugal dignificou os feitos dos quais participou, mantendo sempre altiva a figura do promotor de Justiça e do juiz.

A vida lhe reservou oportunidade honorífica de assumir nos Tribunais de Alçada e Justiça vaga reservada ao quinto constitucional do Ministério Público, onde teve a oportunidade de revelar integralmente sua história de vida, registrando em seus acórdãos a doutrina da alma dos homens descomprometidos com o tecnicismo Jurídico, daí ser possível concluir que sua passagem pela magistratura foi a etapa de grande revelação em sua carreira de servidor da comunidade.

Recordo que ao ser provido no Tribunal de Justiça, o desembargador João Cid Portugal passou a atuar na 2.ª Câmara Cível, desligando-se, como ele mesmo enfatizou, da atividade processual penal com a qual estava familiarizado desde seu ingresso no Ministério Público e no exercício do magistério superior. Em uma de suas primeiras intervenções, ao relatar processo que envolvia funcionário público acusado da prática de ilicitude funcional, foi possível sentir a presença segura do juiz, também das causas cíveis, no momento em que, rompendo com vetusta doutrina, afirmou estar o Judiciário obrigado a analisar integralmente o mérito do ato administrativo, podendo investigar os motivos de fato e de direito que serviram de fundamento para a intervenção da autoridade. No acórdão que lavrou (Apelação Cível 50/85), está dito em certeira conclusão: “Embora, pois, resultasse clara a inocência do apelante, a doutra comissão, deu-o como transgressor de normas estatutárias e que previam a pena de demissão. … Concluo que a respeitável sentença acolhe a conclusão do processo disciplinar, mas sem penetração na prova que deu lugar ao resultado, pela simples presunção, e é sabido que esta, por mais veemente que seja, não dá lugar à condenação.”

Assim, o juiz criminal que por primeiro concedeu liminar em habeas corpus quando exercia jurisdição no Tribunal de Alçada, por igual foi o primeiro a romper com a intolerante doutrina que até o final dos anos 80 do século passado procurava prestigiar, como autêntica cláusula livre, a impossibilidade de analisar o mérito do ato administrativo pelo Judiciário.

Sem dúvida, os sons das cornetas dos beneficiados por suas decisões ecoaram em vários sítios deste Paraná gigante, agradecendo a Justiça realizada, sem que o grande juiz pudesse assistir à homenagem, agora endereçada ao homem e ao cargo.

A evocação da luta profissional de João Cid Portugal e a reafirmação da dignidade de sua passagem como homem, constituem as vertentes emocionais desse momento da separação física. Em verdade, permanecem presentes em nossos corações as idéias de justiça e segurança, reafirmando a certeza de que os grandes homens não apenas passam pelas instituições. Daí ser possível acreditar que seus filhos e familiares estão felizes pelos exemplos de dignidade e esperança que ele legou.

Walter Borges Carneiro

é advogado em Curitiba e desembargador aposentado no Tribunal de Justiça do Paraná.

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