Jabuticabas presidenciais

Em rigorosa ordem alfabética para que ninguém fosse considerado além dos demais, os membros do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social tomaram posse solene em suas funções de gerar subsídios ao presidente da República e à nação em matérias relevantes sem, entretanto, usurpar as funções constitucionais do Congresso Nacional. Comportaram-se bem, conforme registra a crônica, quase como colegiais em primeiro dia de aula. Emitiram um documento em que fazem considerações sobre o trabalho que têm pela frente (entre eles, o de “poupar o País de instabilidades sociais e políticas futuras de gravidade”) e ouviram de Lula as admoestações de praxe.

Entre outras, a de que ninguém se considere maior ou menor, mais amigo ou menos amigo, assim como ninguém foi escolhido por se alinhar a este ou àquele pensamento. Todos – dos líderes de sem-terras a banqueiros, dos trabalhadores a empresários ou professores – são competentes. No exórdio, Lula comparou dois pés de jabuticaba que possui: um na chácara, em terra firme, e outro no apartamento, que a mulher Marisa teimou em plantar num vaso, cercando-o de cuidados especiais. O primeiro é estéril; o segundo, entretanto, para sua surpresa, “dá quatro ou cinco vezes por ano (sic) coisa em que este conselho pode se transformar, se quiser”.

A jabuticabeira presidencial, entretanto, tem suas exigências. Além do protesto já feito de ser desigual do ponto de vista do equilíbrio econômico e social, agora surge o das mulheres. Elas descobriram que somam apenas dez dentre o total de 83 integrantes, mesma tendência verificada entre os ministros, onde fazem quatro de 34. O PT – disse a antropóloga Sônia Malheiros, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria, tem dificuldade de sair do discurso para a prática. A luta, então, continua. E para evitar males piores, a primeira sugestão já está feita: mudar o nome machista de Câmara dos Deputados para Câmara Federal. É uma “linguagem mais inclusiva”, disseram ao neopresidente João Paulo Cunha…

Voltando às jabuticabas, isto é, às reformas – abacaxi dos conselheiros para os próximos meses – tem-se como certo que algumas delas se comportam de forma desigual. É o caso de integrantes como Antônio Palocci, ministro da Fazenda do governo, que também faz parte do colegiado biônico composto por decreto presidencial com a finalidade de… assessorar o governo. Em sua primeira intervenção ao lado de outra dúzia de colegas, o ministro Palocci foi logo ao que interessa – não ao contribuinte, mas ao Planalto. E avisou que, conquanto a reforma tributária é premente, não existe, nem de longe, a mínima possibilidade de o governo aliviar a carga tributária no bojo da reforma que recomeça a ser debatida e sobre a qual há dúvidas se deve preceder àquela da Previdência ou se precisa ser tocada junto com a trabalhista…

Palocci foi mais claro do que precisava, segundo o relato de um suplente de conselheiro que teve a paciência de anotar trechos de seu discurso: “Não vou mentir para ninguém; vamos ter que achar uma forma de conservar essa arrecadação”. Referia-se à CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira que, embora tem “alguma coisa de venenosa para a economia”, é insubstituível para o governo, já que garante uma arrecadação superior a R$ 20 bilhões anuais.

Seria de perguntar ao ministro Palocci e aos demais integrantes do jabuticabal referido por Lula: reformar o que, então? Para ficar tudo como aí está?

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