Irresponsabilidade oficial

Nesta hora em que a Lei de Responsabilidade Fiscal, obtida no governo passado, é reafirmada pela administração Lula, indicativo de que “vai pegar”, talvez devamos começar a pensar em algo mais genérico: a responsabilidade oficial. No Brasil, país em que havia e ainda há forte presença do Estado na economia e que do comportamento do governo dependem vários setores da iniciativa privada, o calote oficial é uma tradição centenária. Já assistimos aos escândalos dos precatórios, que nada mais eram que ordens judiciais para que o poder público pagasse dívidas contraídas, reconhecidas, atrasadas ou sonegadas, e o uso das verbas legalmente destinadas a tal fim para outros, muitas vezes escusos.

O Estado, quando comprador de bens e serviços da iniciativa privada, muitas vezes é onerado com preços mais altos porque os fornecedores já sabem das futuras dificuldades. Dificuldades para receber e, às vezes, o “molha a mão” da propina. O poder público não vai à falência. Está indene à punição a que estão sujeitas as empresas privadas. Portanto, os governantes sempre usaram todos os expedientes para atrasar compromissos ou mesmo não pagar, empurrando com a barriga até que sucessores de “boa vontade” o façam.

Agora, existe a Lei de Responsabilidade Fiscal, que pode melhorar um pouco essa injusta e inconveniente situação.

Há poucos dias, em Brasília, ocorreu um fato que é se não único ou primeiro, pelo menos bastante esclarecedor. A Polícia Civil do Distrito Federal e escolas da capital tiveram seus telefones cortados. Foram cerca de oitocentas linhas da Polícia Civil e aproximadamente mil linhas de escolas. Certamente a opinião pública fica confusa diante de um ato tão radical de parte das companhias telefônicas. Afinal de contas, são concessionárias de serviço público e as atividades policiais e escolares são essenciais. Acontece que a Polícia Civil e a Secretaria de Educação de Brasília não vinham pagando as contas telefônicas. Os débitos atrasados chegaram a aproximadamente R$ 6 milhões. Mais quatro órgãos públicos seguem no mesmo caminho do calote e estão também ameaçados de cortes nos telefones. Para qualquer empresa ou cidadão, existem regras para o fornecimento de serviços telefônicos. As contas devem ser pagas e, se não o forem, depois de certo tempo serão interrompidos os serviços. O mesmo tratamento está sendo dado, em Brasília, a repartições públicas porque as empresas fornecedoras têm de pagar suas próprias contas, seus funcionários e, obviamente, buscar remuneração para seus acionistas. Se não pagarem suas próprias contas, estarão sujeitas à execução e à falência.

Aqui não cabe a discussão sobre estatização de serviços telefônicos ou sua privatização, nem o fato de haver, nessas empresas, acionistas estrangeiros. Cabe, sim, a regra de que quem assume obrigações comprando de particulares, estatais, concessionárias de serviços públicos ou do próprio Estado, tem de saldá-las. Os fornecedores devem, de alguma forma, poder se defender. Ao fazê-lo, de forma indireta e não intencional, estão defendendo o interesse público, por paradoxal que isso pareça. É que o Estado precisa ser minimamente confiável. E se não o é, a prática de só vender-lhe com sobrepreços aparece como justificativa para o alto risco do negócio. E as propinas vicejam nesse ambiente de irresponsabilidade oficial.

Voltar ao topo