IPTU e progressividade – II

Dando continuidade ao que foi tratado em artigo anterior, da possibilidade da progressividade do IPTU, em conformidade com o que a Emenda Constitucional n.º 29/2000 trouxe ao ordenamento, analisa-se, então, os princípios que, em tese, estariam sendo violados.

Tais princípios, como citado antes, são o princípio da isonomia e o princípio da capacidade contributiva. Princípios estes que decorrem da teoria geral do direito e do próprio texto constitucional, devendo ser, a todo instante, respeitados.

Da capacidade contributiva

O princípio da capacidade contributiva está inserido diretamente no Texto Magno no art. 145, § 1.º, quando reza que “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”. E, nas palavras do ínclito ministro moreira alves, “traduz-se na exigência de que a tributação seja modulada de modo a adaptar-se à riqueza dos contribuintes. Implica que cada lei tributária tenha por efeito atingir manifestações, ou aspectos dessa riqueza, sem destruir sua base criadora”(1).

Todavia, ao se pegar por exemplo o fato da diferenciação de alíquotas de IPTU para regiões de um mesmo Município, se estará diante de mera presunção de que o contribuinte teria maior patrimônio do que o proprietário de imóvel localizado em bairro menos favorecido. Assim, inclusive, colocado por Rodrigo da Rocha Rosa quando diz que “o Município aumenta a arrecadação instituindo variedades de alíquotas, progressivas em função dos fatores descritos acima, que presumem a capacidade contributiva dos proprietários de imóveis urbanos no momento do fato gerador”(2).

Ao se aplicar, entretanto, tratamento diferenciado para contribuintes, com base em meras suposições acerca da capacidade contributiva de alguém, se está ferindo o princípio em tela, já que se é impossível fazer tal presunção.

E, neste enfoque, tem-se, por conseqüência, que apenas impostos de natureza pessoal podem ser cobrados por meio de progressividade, quando neles se considera por meios eficazes a condição do contribuinte. O que, aliás, determina a própria Constituição especificando diretamente os casos de cabimento desta.

ives gandra, com a sabedoria que lhe é própria, expõe que “A progressão, portanto, implica desigualação, na medida em que expressa a mera graduação (proporcionalidade) e, conforme o fator de discriminação utilizado, desconsidera o princípio da capacidade contributiva”(3).

Este princípio basilar não vive sozinho, dele decorre e acompanha o princípio da isonomia, ou, em bom português, da igualdade(4).

Princípio da igualdade

Princípio de grande relevância, é conceito pétreo de aplicação imediata. Encontra lugar em toda a Carta de 1988 e é direito fundamental de todo cidadão, “oponíveis a qualquer pessoa, inclusive ao Estado”(5). Assim sendo, não pode deixar de ser considerado quando se tratando de tributação. Aparece como princípio no caput do art. 5.º e de forma expressa na vedação literal contida no inciso II do art. 150, ambos da Constituição Federal.

Ao caso em tela é aplicável quando se tem uma progressividade embutida em um tributo de natureza real, como é o caso do IPTU. Esta dita progressividade institui tratamento desigual entre iguais, sendo, portanto, inconstitucional.

De modo exemplificativo bem apresentou a juíza josély dittrich ribas, da 3.ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba, nos autos do Mandado de Segurança n. 22310, dizendo: “No Município de Curitiba, o proprietário de dez imóveis no valor de R$ 20.000,00, cada, pagará R$ 400,00 de IPTU de todos eles. Por outro lado, o proprietário de um imóvel no valor de R$ 200.000,00 (equivalente a soma de todos aqueles imóveis) pagará R$ 1.627,50 de imposto. O que inegavelmente implica tratamento desigual aos iguais. Ou seja, a mesma riqueza é tributada de forma diversa”.

Claramente se percebe em que momento o direito subjetivo do cidadão está sendo violado. O tratamento é realizado de forma diversa para aqueles que possuem iguais riquezas. Fere-se de morte, portanto, o princípio constitucional da isonomia. Forma, ademais, bem apresentada pela Magistrada, citando pietro antonelli:

“…se o legislador permite via Emenda Constitucional a doação da progressividade no IPTU, ferir-se-ia a igualdade, uma vez que o imposto já é originariamente proporcional. Tal permissivo pode acarretar na desigualdade entre contribuintes que se encontram na mesma situação”.

Inconstitucionalidade da EC n.º 29/2000

Diante de rápidas pinceladas sobre estes dois princípios informadores do direito, e por que não dizer, do próprio Estado, tem-se que a Emenda Constitucional n. 29/2000 é absolutamente inconstitucional, já que nada pode ferir direitos subjetivos dos cidadãos, nem mesmo uma Emenda à Constituição.

Princípios aqui demonstrados que se analisados ainda mais friamente trariam mais e mais motivos para que se conclua desta forma, pela inconstitucionalidade da malfadada Emenda. Concluiria-se por considera-la um ato atentatório aos cidadãos, em busca da mais pura sede de arrecadação, mediante confisco.

“Inconstitucional, por ofensa a cláusulas pétreas da Constituição Federal de 1988, tendo o constituinte derivado, no afã de saciar o voraz apetite fiscal dos Municípios, retirado do texto originário do art. 156, § 1.º, a expressa condição de que o IPTU seja instituído pelos Municípios de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade”(6).

NOTAS:

(1) in: Supremo Tribunal Federal – Recurso Extraordinário 153.771-0-MG – DJ de 05.09.1996.

(2) ROSA, Rodrigo da Rocha. Da inconstitucionalidade da nova redação do parágrafo primeiro, do artigo 156, da CF, face à Emenda Constitucional n. 29 (…). Artigo da Internet. Disponível em: http://www.tributarista.org.br/content/estudos/art156.html . Acesso em: 18.fev.2003.

(3) MARTINS, Ives Gandra da Silva. IPTU: por ofensa a cláusulas pétreas, a progressividade prevista na emenda n. 29/2000 é inconstitucional. Parecer. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 80, maio/2002, p. 105-126).

(4) “O princípio da capacidade contributiva informa a tributação por meio de impostos. Intimamente ligado ao princípio da igualdade, é um dos mecanismos mais eficazes para que se alcance a tão almejada Justiça Social”. (CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 16. ed. Malheiros: São Paulo, 2001. p. 74.

(5) CARRAZZA, Ob. Cit. Curso… p. 343.

(6) MARTINS, Ob. Cit. IPTU… p. 123.

Giovani Zilli

é advogado em
Curitiba.zilli@fleischfresser.adv.br

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