IPTU e progressividade – I

1. Introdução

Moderno tema de discussão jurídica a progressividade do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU. Teses e mais teses estão a todo instante sendo levadas ao Judiciário. Calorosos debates doutrinários são levantados entre os doutrinadores do direito. Mais e mais Municípios da Federação aplicam esta forma de incidência tributária.

A importância do tema é muito grande, já que pode trazer novos conceitos doutrinários ao Direito Tributário brasileiro, tal como a extinção da famosa conceituação de tributos de natureza real e pessoal. Sua importância é maior ainda ao se considerar que este tributo faz parte da vida de inúmeros contribuintes que habitam as cidades brasileiras, ainda mais nesta época do ano, em que se fazem os créditos e obrigações tributárias.

O artigo 156 da Constituição apresenta em sua forma originária duas formas possíveis de incidência tributária, sendo o constante no inciso I, que possui hipótese de incidência na propriedade propriamente dita, e o constante no § 1.º do mesmo artigo, utilizável para a garantia da função social da propriedade urbana (CF/88, art. 182).

O Constituinte Originário trouxe duas formas distintas de aplicação do discutido tributo; sobre a propriedade regular cabia a cobrança e arrecadação do imposto sobre a propriedade; e outro, com finalidade única de aplicação sobre os imóveis que não cumprem com a sua função dentro da sociedade e que serve para evitar a especulação imobiliária urbana, por meio de aumento de valor, considerando-se o aspecto temporal.

Há, todavia, uma agravante a ser considerada, que é a modificação deste § 1.º do artigo 156 por meio da Emenda Constitucional n. 29/2000, que autorizou de forma explícita a cobrança do IPTU por meio de progressão relativa à capacidade contributiva pelo valor do imóvel, localização e uso.

O resultado desta miscelânea é a calorosa discussão acerca da possibilidade do IPTU possuir caráter pessoal e a inconstitucionalidade da Emenda por supostamente infringir direito subjetivo pétreo dos contribuintes.

2. Impostos de natureza real e pessoal

Para se concluir sobre a tratativa necessário se faz o entendimento sobre as classificações doutrinárias e jurisprudenciais do tributo em evidência. Mas precisamente, necessária a conceituação destas duas categorias: tributos reais e tributos pessoais. E, ainda, a mesma classificação em relação ao IPTU.

Adotando-se a definição de Geraldo Ataliba, um dos grandes defensores da importância desta distinção entre impostos reais e pessoais, os impostos denominados reais são “aqueles cujo aspecto material da h.i. limita-se a descrever um fato, ou estudo de fato, independentemente do aspecto pessoal, ou seja indiferente ao eventual sujeito passivo e suas qualidades”. Já os impostos pessoais seriam os que levam “em consideração certas qualidades, juridicamente qualificadas, dos possíveis sujeitos passivos”.

O IPTU, por sua vez, possui como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel localizado na zona urbana do município e não leva em consideração qualquer elemento pessoal do sujeito passivo da obrigação tributária. O Código Tributário Nacional estabelece que os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, como o caso do IPTU, sub-rogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação (Art. 130).

Denota-se então que, para a configuração da obrigação tributária, independe para o fisco quem seja o proprietário do imóvel, podendo ser a responsabilidade tributária inclusive transferida para eventual adquirente, haja vista que a tributação tem como objeto o próprio imóvel. Isto ao fato de que o sujeito passivo pode ser qualquer que esteja diante do fato gerador quando da exigibilidade do crédito tributário. Circunstância, esta, que mostra claramente que nesses impostos não se leva em consideração a pessoa do sujeito passivo (quanto menos sua capacidade contributiva).

Assim sendo, está o IPTU em absoluta consonância com a classificação “real” de tributo, não se aproximando jamais da pessoa do proprietário do imóvel. Ponto, aliás, que com a máxima vênia e humildade, tenho por discordar do Prof. Roque Antônio Carrazza, que sugere a classificação “pessoal” para todas as espécies tributárias.

3. IPTU e extra fiscalidade

A narrativa originária da Carta Política de 1988 apresentava no § 1.º, inciso I, do artigo 156 que o IPTU “poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade”. Queria, outrossim, garantir o devido cumprimento da função social da propriedade urbana, previsto no artigo 182 e que hoje é regulamentado pelo Estatuto da Cidade (Lei n.º 10.257/2001) e que apresenta o IPTU progressivo no tempo como um dos meios do cumprimento à função social, por meio de sua extrafiscalidade.

Mas, no vigor da atual CF, modificada pela EC-29/2000, “o imposto sobre a propriedade urbana poderá ser progressivo em razão do valor do imóvel, assim como poderá ter alíquota diferenciada de acordo com a localização e o imóvel, possibilitando, assim, a aplicação de política fiscal de interesse público”.

Outrora a aplicação da progressividade possível apenas para o caso extrafiscal contido no art. 182, aplicada no tempo, agora vem ser permitida em razão do valor do imóvel e podendo possuir alíquotas diferenciadas conforme o uso e o local do imóvel.

4. Emenda Constitucional 29/2000

Aparentemente a referida Emenda Constitucional veio ao ordenamento para, de alguma forma, tentar solucionar o conflito existente entre a progressividade prevista no art. 182 da Carta e a forma prevista no Código Tributário Nacional, que adota a classificação de tributo real para o IPTU, como dito acima. Forma em que se adotou como característica principal para o IPTU a progressividade, considerando-o “pessoal” e o expondo ao princípio da capacidade contributiva.

Por outro lado, gerou novo conflito com boa parte de tributaristas que viram inconstitucionalidade nesta EC. Tal, decorrente do suposto prejuízo auferido pelos contribuintes no tocante ao princípio da capacidade contributiva, que em tese não pode ser alterado, por se tratar de cláusula pétrea constitucional. Ainda, ao fato do princípio da isonomia e da segurança jurídica.

Princípios, os quais, se analisados com a devida cautela e profundidade podem realmente estar sofrendo violação por tal emenda, atingindo, desta forma, direitos subjetivos e pétreos dos contribuintes.

5. Busca de conclusão

Com as poucas colocações aqui feitas e pela profundidade da matéria, difícil é se concluir sobre a progressividade do imposto analisado. Fato é que a classificação doutrinária (aceita pelos tribunais) da divisão de impostos em reais e pessoais é por bastante relevante para deixar de ser considerada. O IPTU possui, sem sombra de dúvidas, a sua natureza de tributo real, não cabendo possibilidades para a desconsideração deste fato.

Da mesma forma, são bastante relevantes as teses que admitem a inconstitucionalidade da Emenda 29/2000, por ferir princípios intocáveis dos contribuintes. Princípios que de tamanha relevância serão objeto de próximo artigo deste autor, pela sua complexidade e importância.

Notas:

(1) ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 141-142.

2) CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 16. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 90/98.

(3) SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 705.

Giovani Zilli

é advogado em Curitiba.

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