O governo brasileiro não pediu, nesses atribulados últimos dias, ajuda ao Fundo Monetário Internacional. Mesmo assim o secretário do Tesouro norte-americano, Paulo O’Neill, pegou o microfone na mão para dizer que, caso houvesse o pedido, se oporia à concessão de mais créditos ao Brasil. A causa dos problemas do País – disse – não é econômica, mas política. “Jogar dinheiro dos contribuintes americanos na incerteza política brasileira não me parece brilhante”, arrematou. Foi o que bastou e, no outro dia, o valor do dólar subiu ao mais alto patamar já verificado durante toda a vigência do Plano Real. E o Brasil – diziam alhures – apesar da boa campanha nos gramados do Sol Nascente, entrava nos tortuosos caminhos da Argentina.

Nesse mar de volatilidades, O’Neill poderia ter ficado quieto. Ou ter encontrado outro jeito de resolver problemas de seu governo, às voltas com mil e uma vicissitudes – uma delas a desvalorização do dólar frente ao euro, a moeda da comunidade européia. Preferiu usar seu lado gângster, para provar que seu governo (e a cada dia isso fica mais claro) imagina ser o umbigo do mundo, dispondo das demais nações como escabelo. Perde de um lado, mas ganha de outro com o simples pronunciar de pensamentos. O jogo é o seguinte: as coisas pioram porque alguém diz que elas estão ruins. E, piorando, entram no círculo vicioso da história de quem veio primeiro – o ovo ou a galinha. Enquanto se discute a causa, vem a catástrofe final.

A intromissão do governo americano no quintal emergente do mundo não é coisa nova. Foi assim também com a Argentina, para usar apenas o último exemplo. O que aconteceu conosco, entretanto, é outra prova de que a sorte brasileira está mais atrelada aos humores alheios que aos nossos próprios caprichos. Se a preferência eleitoral até aqui demonstrada pelos eleitores tupiniquins incomoda Tio Sam, nada melhor para ajudar o candidato Lula que provocar essa corrida ao dólar e o conseqüente despencar das ações nas bolsas, onde poucos trabalham e muitos ganham ou perdem sem fazer força alguma. Azar de quem não entende: até os trabalhadores que apostaram parte de seu Fundo de Garantia por Tempo de Serviço nas ações da Petrobras ou nas da Vale do Rio Doce saíram perdendo. E quanto mais Brasília perde o controle, mais avança o discurso mudancista que O’Neill condena.

É bem verdade que em Brasília houve irritada reação. Nossas autoridades monetárias disseram que os fundamentos da economia brasileira – e quais são eles? – são sólidos. O ministro Pedro Malan nem tanto, mas o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, apareceu na televisão sorrindo. O risco-Brasil não espelha nossa realidade, disse. E filosofou sobre os jornais coisas que não sabíamos: “O mercado é humano, tem humores, às vezes é eufórico, às vezes deprimido. Mas isso não dura para sempre”.

Assim seja. Esperamos e torcemos – mais do que pelo pentacampeonato – que não dure. Apesar de O’Neill, o Brasil é dos brasileiros. E o mercado de capitais é apenas um pedaço de nossa história que precisa ser gerida por nós próprios – Lula incluído. Afinal, como disse o mesmo Fraga, “aqui o jogo está sob o nosso controle”. A intromissão de O’Neill é, simplesmente, indevida.

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